sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Espelho

Era a primeira de muitas, com certeza a primeira de muitas viagens que faria. Seria sua rota semanal de suas terras no sertão, ao planalto central do Brasil. Iria experimentar a famosa de terça a quinta. O restante da semana, na base. Iria ter seu apartamento de luxo na zona nobre da capital. Seus auxílios pecuniários sem fim e sem dó. Teria seus inúmeros funcionários, diretos e indiretos. Alguns por sua própria escolha, outros como pagamento de favores e ainda os que trabalhariam para que a máquina trabalhasse a seu favor. Pensava em como conseguir suas audiências no palácio, em conseguir alguma comissão de interesse para a mídia afim de notoriedade nacional. Por que de nada adiantaria ser grande somente na sua região, precisava mostrar que era diferente dos seus antecessores. Iria marcar sua época. Pensava-se líder nato. Grande estadista seria, enfim. Chegara a vez de honrar o nome da sua família. Os seus devem estar com muito orgulho. Mas todo cuidado é pouco, inclusive com os de casa, que por vezes, derrubam os de mesmo sangue. Pensara inclusive em ir mais além. Em ter uma fonte no jornalismo, ao passo que o seria também. Mas tinha que ser na TV. Jornal ninguém mais lê. E já ensaiara há tanto seu discurso de defesa quando apanhado com a boca na botija. – sou produto do meio. Sou no que vocês se reconhecem. Aliás. Sou cada um de vocês aqui. Não me culpem por ser assim. Vocês estão simplesmente julgando a vocês mesmos. Era definitivamente um produto da sociedade. E a representaria em toda a sua esfera e com toda sua força.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Amor

Amor. Decidi que te amo. Decidi que quero ter-te para sempre, enquanto eu durar, ao meu lado. Descobri amor, que sou feliz com você, que viver esse mundo ao seu lado me ajuda a encará-lo com mais tranqüilidade, mais franqueza. Ter-te aos meus dias mais sombrios faz-me na marina do mar revolto. Prometo-te viver contigo, hoje e amanhã. Prometo-te fazer tudo para que sejas feliz ao meu lado. Dar-te conforto com meu trabalho. Dar-te amor nos dias mais belos e nos que não sejam assim. Entender-te quando dos teus dias difíceis. Apoiar-te quando o coração fraquejar. Prometo proteger-te. Contra tudo e contra todos. Farei da minha vida uma fortaleza para que você se sinta segura. Serei o mais forte de todos para te proteger das intempéries. Serei o melhor nadador para que quando o mundo se afogue, eu te salve. Correrei mais rápido do que todos para salvar-te dos perigos iminentes das chamas que invadirão nossas cidades. Por mais que a natureza se vingue de nós humanos, prometo-te que te farei salva. Nossos filhos nascerão num mundo diferente do nosso, é verdade. Mas que mundo não é diferente desde a invenção da modernidade? Todos os filhos que nascem de pais já modernos nascem num mundo diferente do seus pais. Os nossos nascerão num mundo ainda mais transformado. Prometo-te, com sua benção, cuidar das nossas crias. Fazer com cresçam saudáveis, mesmo em meio ao pouco ar puro disponível. Lutarei para que eles tenham mais chances de sobrevida. Quem sabe, não conseguem chegar à idade adulta sem tantas dores? Que um dia, sentados à mesa com nossa parca refeição, possamos contar a eles como era a vida. Farta e cheia de possibilidades. Que podíamos até nos dar ao luxo de suspirar quando nos encontrávamos furtivamente. E que nunca precisamos cuidar do pouco ar que hoje deixamos para eles. Podíamos nadar em cachoeiras que havia aqui e ali. Podíamos caminhar em parques com árvores que não são somente imagens em seus arquivos digitais. Que por vezes, quando da nossa infância, nos permitiam que nelas subíssemos e apanhássemos seus frutos, numa brincadeira descabida regada à inocência. Eles viveriam nosso mundo através de nossas lembranças. Lembranças de um mundo em que não eram necessários esforços hercúleos para viver. Se tivéssemos feito o pouco que era preciso, esse mundo também pertenceria a eles.

(Essa é minha contribuição do Blog Action Day. Um dia em que todos os blogueiros escrevam sobre as mudanças climáticas). Para mais, acessem

http://www.blogactionday.org/

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Creedence Clearwater Revival X Kiss

Era inicio dos anos 80. Mais precisamente 82. Eu era um meninote de nove anos. Querendo mais do que tudo na vida, crescer e me tornar homem feito. Penso que nos divertíamos mais nessa época. Sexta-feira era dia de bola na rua até tarde. Sábado de manhã tinha bicicleta e mais futebol. E domingo, pra variar a pelada da rua de cima contra a rua debaixo. De vez em quando aparecia o primo mais velho de um dos amigos da turma para desequilibrar a partida. Por vezes ganhávamos. Mas a maioria das vezes voltávamos cabisbaixos com a bola embaixo dos braços. Os joelhos devidamente ralados as camisas bem sujas e suadas. Os rostos cansados eram um prenúncio de mais uma segunda-feira de aula bem cedo. Fazia disso tudo e muito mais com meus amigos de infância. Mas me lembro hoje de umas precocidades bastante interessantes. Aqui em casa sempre se ouviu muita música, e de qualidade. Minha mãe adora Beethoven. Acho que meu pai gostava mais de Chopin. Apesar de encontrar alguns LP’s com Carlos Gomes, Vivaldi e Tchaikovsky por aqui. Assim meu gosto pessoal pela música foi se formando, mas como um bom pré-adolescente-rebelde-sem-causa achei o rock, que ainda nesses tempos, era sinônimo de rebeldia. Rebeldia contra os pais, contra o país, contra o sistema – como se eu soubesse o que era o sistema. Contra qualquer coisa que parecesse arrumadinha demais. Havia nisso certo ar de contraposição à ordem estatutária. E tudo que fosse mais mal acabado de que bem, era melhor. Então, rock na veia do garoto. Comecei a ouvir os mais pesados da época. O rock brasileiro nascia, mas para mim algo que era oriundo da nossa terra era contaminado com algo que me incomodava. Ou era a tropicalidade, ou a teoria antropofágica (também não sabia disso na época). Assim, o melhor era mesmo o importado, o enlatado. Tudo que vinha de fora era melhor. Afinal vi que passamos anos trancados aqui dentro sem dialogar com o mundo, nada mais natural do que negar o recente passado e se aproximar do presente. Assim foi na minha formação do gosto musical. Numa dessas tarde rebeldes de sábado chuvoso, estava em casa, ouvindo no mais alto volume meu incansável LP do Kiss. Minha mãe chegou. Naqueles tempos, não sei como ela possuía mais paciência com o adolescente rebelde do que hoje, e me inquiriu categoricamente: - que barulheira é essa que você tá ouvindo meu filho? Eu quase aos berros respondi com desdenho o nome da banda ao mesmo tempo em que levantava a capa do LP que me acompanhava no chão da sala do pequeno apartamento e mostrava a ela. Ela me retruca dizendo que a guitarra era muito barulhenta e que aquilo não era música. Eu pensei, ai meu saco! Lá vem ela com as músicas clássicas no meu ouvido. Ela me chama e me diz incisivamente: deixa eu te mostrar o que é uma guitarra bem tocada. Tirou meu LP do toca-discos veementemente e colocou pra rodar um disco do Creedence. Ela me apresentava a primeira mulher da minha vida. Susie Q. Fiquei mudo, em silêncio. Peguei a capa do LP, abaixei um pouco o som, sentei-me mais próximo à grande caixa de som e comecei a prestar atenção em cada nota, cada solo, cada som da rouca voz de John Forgety. Foi mais que uma banda nova que minha mãe me aplicava, era um elo entre gerações que havia se construído. Enfim, descobrimos algo muito em comum que era próprio de cada um daqueles dois seres humano. E posso dizer que naquele dia aprendi muito mais do que ouvir.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Carta a um Imperador

Ah, Marco Aurélio Antonino. Se soubesses como é dura vida dos de hoje que enxergam um pouco mais além do horizonte. Será que vós seríeis menos estóico ao viver o hoje? Meu caro Imperador. Hoje, por incrível que pareça damos mais valor ao viver em palácios do que estender a mão ao irmão. Aliás, não nos vemos como iguais. Enxergamo-nos não através das vestes, que hoje são mais adereçadas do que suas togas de seda, mas nelas.
Tivemos, em muitas áreas novidades, que nos permitiriam sermos mais solidários com nossos irmãos, mas em função da competitividade cada vez maior do mercado, não demos prioridade a isso. Sim, existe uma coisa chamada mercado. Ele nos diz o que fazer e como nos comportar. Não tem nada a ver com o pensamento filosófico nem ao menos religioso. Trata-se de motivo menos nobre que esses, simplesmente a aquisição de riqueza. Pois é esse mercado que determina quem tem mais e quem vale mais. E como as pessoas sempre querem mais e mais riquezas, as que não as possuem tentam de todas as maneiras, usando dos mais variados ardis para que essa riqueza vá para suas mãos. Mas o mercado, nem as riquezas, são coisas boas ou ruins. Nós homens que a fazemos assim. Por causa desse mesmo mercado, superamos muitos desafios colocados a nós e por nós. Vivemos mais e com mais prosperidade.
Não sou, de maneira alguma, um homem alheio ao meu tempo. Prefiro ser contemporâneo que sofrer com atrasos ou, na maioria dos casos, os adiantados da hora. Mas sinto falta desse seu reinado aqui para esse mundo. Os tempos têm sido duros mundo a fora. Só espero meu caro Marco, que essa dureza do mundo não me mude, não me deixe duro com ele assim como tem sido comigo. Um pouco estóico? Pode ser, mas prefiro a felicidade e a tranqüilidade da alma do que a truculência de atropelo aos meus iguais. A equação é simples. As diferenças existem somente no mundo das idéias, dos conceitos, do mundo imaterial. Se conseguirmos perceber as diferenças, por que não conviver com elas? Por que não aprender com elas?

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

À minha amiga, futura escritora.

O retro-gosto amargo do café sem doce arde na boca. É um gosto forte, que marca. Não é possível ignorá-lo. Melhor mesmo é aprender a conviver com ele. Penso que a bebida das arábias deve ser companhia indispensável aos escritores. O café, mesmo que requentado os manterá acordado até altas horas da madrugada quando absortos nas suas linhas. Aquecerá o peito quando o vazio das letras tomarem conta do seu coração. Será esse seu negro companheiro, ao seu gosto, mas penso que assim o deva ser. Eu prefiro o café com a companhia dos amigos. Logo depois do almoço, ou ao acordar ao lado da amada. Prefiro que o seja como um recheio dos bons momentos. E pelejo para que momentos doces seja constância na minha estada por aqui. Deixo o amargor para os grãos torrados.
Assim como a marca indelével do café nos marca a boca, a vontade de escrever obedece ao chamado dos deuses. Não há como escapar quando se percebe que as letras dão forma, conteúdo e sentido na vida do pobre ser. Pobre, no sentido do ofício. Como deve ser dolorosa a arte de transformar seus sentimentos em alheios. Quão dura deve ser a vida de quem doa seus sentidos à interpretação do mundo pelos seus olhos. Um trato heróico, abnegado, pois quando suas idéias ganham as páginas, não pertencem mais a quem lhe deu formas, mas aos leitores que a tomam de assalto. Escrever é ser abnegado de coração e de alma. É abrir-se para o mundo, é colocar a bunda na janela. Tomarás tapas, mas carinhos não faltarão. Em dias como esses, mais doloridos devem ser. Pode escolher viver com a vida certa e sem brilho do burocrata. Cartão de ponto, oito as dezoito com uma hora de intervalo. Os papéis e as letras que seriam seus companheiros seriam bem menos garbosos dos que os lhe dão forma hoje aos sonhos e devaneios. Mas terias tu, vida certa e paga. Terias letras, de cambio. Terias hipoteca e viagens, ao menos uma para o exterior. Terias sim, talvez, quem sabe, um companheiro, sem muitas venturas, mas um companheiro. Um companheiro devidamente ao seu tamanho de burocrata. Assim, de vida certa teria a vida. Não é menos nem mais, ter a vida burocrata. É uma das escolhas mais corajosas que percebo. Mais corajosa que se optar por ser herói. Aliás, o herói não escolhe. Não é um ser consciente das suas escolhas, é somente um instrumento dos deuses aos seus idealismos para com os humanos. Quem deve ser ovacionado é o burocrata. Escolheu por vontade própria abrir mão da vida glamorosa para viver a vida simples e dura do cotidiano. Ao invés do burocrata ser o contra-ponto do herói, ele o completa. Qual a vida que gostaríamos de ver, de ter? A vida do super-homem, ou a rotina do Clark Kent? Queremos voar pelo mundo ou tomar café da manhã com Lois Lane? Ter filhos com ela? A escolha de Clark pode ser feita. A do super-homem não. Ele não tem escolha. Pobre coitado. Ele não recebeu a maior dádiva. O livre caminho. Ele simplesmente obedece ao chamado e vai, sem saber por quê.
O escritor é o único que pode ser um herói e um burocrata. Esse sim pode transitar por esse dois mundos, como se trocasse de roupas numa cabine telefônica e virasse de hora pra outra, um desse seres com super poderes. A escolha do ofício da escrita deve ser de muito suor, muitas lágrimas, muitos calos na alma para que se tenha uma obra aplaudida. E sim, lembre-se a obra será aplaudida, você pouco. Sua criação será maior que vós. Terá vida além da sua. Quando você se for, sua obra ficará. Viverá além. Alçará vôos de longo alcance maiores que uma alma mortal jamais conseguiria aqui pelos lados dessa terra. Qual dos caminhos será o seu? Para ajudá-la beba no maior herói das letras. Drummond, o poeta de Itabira. Foi poeta e foi burocrata. Esse foi herói com escolha. O maior dos heróis. Degluta Arturo Bandini e saiba como é escrever com as vísceras. Depois disso, minha querida amiga, me convide para o nascimento da sua cria, seja ela qual for, pois seu amigo do lado de cá escolheu ser burocrata, uma vez que a arte das letras está longe do meu alcance. Prefiro ser um escritor que não exista, literalmente um escritor virtual.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Bobó de camarão com casca (Receita para o Christian)

Comecei cedo, bem cedo a freqüentar a cozinha de casa. Como filho mais velho da casa fui intimado logo nos primeiros anos de vida a dar uma forcinha nos afazeres domésticos. A vida era um pouco mais dura que agora, e a minha presença na cozinha aliviava o peso da solidão e da labuta diária da mãe. Nesses primeiros passos, o que sobrava para mim eram as louças. Lembro de pilhas delas, gigantescas, quase indestrutíveis. Mas ia vencendo-as pedacinho por pedacinho. Depois da evolução nessa fase fui promovido. Já tinha idade suficiente para me chegar ao fogão. A promoção tinha dessas nuances. Destreza não bastava, tinha que ter idade suficiente para a tarefa. Então comecei a torrar o arroz do almoço. Somente torrava, para que não queimasse. Ainda não podia colocar os temperos, muito menos a quantidade de água. Mas ficava ali ao lado, acompanhando tudo. Acho que meu gosto pela cozinha vem daí. Anos depois, redescobri o prazer pela cozinha. Um dia, um amigo me pediu para fazer um bobó de camarão. O fiz e certo sucesso apareceu. Meus amigos são muito generosos comigo. Essa é a verdade. Nada demais no prato. Como a propaganda boca a boca é a melhor que existe (aqui é um publicitário que fala) a notícia correu. Outro dia fui intimado em fazer o bobó na casa de uma amiga. Chegamos lá com todos os apetrechos culinários e eu, como havia feito agradado as pessoas na versão anterior, me apossei da cozinha com ar de autoridade. Como em todos os nossos almoços, jantares, reuniões, havia sempre muita alegria, vinhos, cervejas. Afinal, era uma turma de faculdade que deixou o coleguismo nos primeiros dias e se firmou logo em sólidas amizades. Até alguns casamentos saíram desse meio. O almoço em questão era na casa da Letícia, amiga de longa data da Joana, essa amiga que conheci na faculdade, na época namorada do Christian, o dono do bobó. Para aumentar a já antiga e conhecida arrogância, que naqueles dias me acompanhava sempre, fui apresentado à prima da Letícia e como sempre, fui alvo da cupidez dos meus queridos amigos. Absorto aos ingredientes, às taças de vinho e aos belos olhos verdes da Alessandra, comecei o preparo do prato. Um bom bobó que se preze se faz com mandioca. Então, mandiocas ao fogo. Deixei-as cozinhar até quase ao ponto de se fazer um creme somente com o amassar de um garfo. Tiradas da panela de pressão, as amassei com um carinho a que se deve tratar um alimento, e as reservei. Azeite e dendê na panela. O dendê somente para dar um cheiro, pois o gosto, para nós mineiros é bastante forte, além do que meu amigo gostava de sentir o gosto dos camarões e o óleo oriundo da Bahia rouba o sabor de tudo quando em demasia. Minha tradicional pasta de alho e sal na panela, já com a mistura desses óleos devidamente quentes e cebolas, pimentões, vermelhos e verdes ao fogo. Um pouco de coloral, o indígena, extraído da semente do urucum em torra e pilado. Tomates, pedaços generosos, sem pele e sem sementes. Bem maduros. Panela neles. Depois dessa mistura deliciosa, pego o creme da mandioca e refogo juntamente dos legumes ao dente na panela. Vou colocando leite até o creme se dissolver já nesse ponto o molho está bem rosado e borbulhante, somente aguardando uma generosa porção de camarões, que já estava devidamente limpo e reservado. O ideal era puxá-lo no azeite, que seria usado naquela refoga dos legumes, mas como podem perceber, esqueci desse detalhe. E os camarões como se estivessem ali, meio vivos, me lembravam que eles precisavam entrar no momento certo, nem cedo demais, nem muito tarde. Cedo demais comeríamos chicletes ao sabor do mar, muito tarde, meio crus e com pouco sabor. Um truque para meus amigos culinaristas: descasquem os camarões e passem as cascas num azeite quente, retire as cascas usem esse óleo para continuar o prato. O sabor vem em toda sua plenitude. Não o fiz, e continuei às atenções às panelas, aos vinhos e aos olhos que brilhavam. O arroz já estava quase pronto, soltinho, branco, assim como eu vi minha mãe fazendo milhares de vezes na beira do fogão em casa. Esse era difícil de errar. Juntei os camarões sem cerimônia, deixei-os cozer por alguns minutos. Um cheiro muito bom se espalhou pela cozinha, depois pela casa. Já era adiantada a hora, além da fome, havia o vinho, que sempre aumentava nosso apetite. Servido numa bela travessa, o arroz e o bobó. As pessoas avançaram. Nesse momento o ar pára. Toda a receita passa na minha cabeça. O medo de ter faltado com algum ingrediente, ou ter colocado algo que não fazia parte, é o pior dos medos. No instante da primeira prova o aprendiz de cozinheiro aqui fica sem respirar. Logo após a primeira aprovação do sabor me vi mais relaxado. Os comentários surgiam por toda a mesa. Hum, muito bom, delicia. Claro que o tempero da fome é o melhor deles, assim, as pessoas começaram a ficar mais silenciadas. De repente percebi as pessoas tirando as cascas dos camarões. Havia simplesmente esquecido de tirar as cascas dos camarões! O que fazer numa hora dessas? Tratar com naturalidade ou assumir meu erro absurdo? Como meus amigos não tinham lá muito conhecimento culinário optei por abusar da boa vontade deles, ainda bem que eram amigos, e para que saibam todos, ainda o são. O Christian olhou para o lado, comentou com a namorada bem baixinho: -tem casca! O camarão ta com casca! Mas o sabor ta bom. Mas ta com casca! A Joana me olhou e disse: Arturo! O camarão ta com casca. Eu nem olhei para ela, para que diminuísse a importância da tragédia e respondi com um tom de voz natural, que aprendi a fazer quando da minha longínqua época de rádio: é assim mesmo! Bobó de camarão é com casca! Podem imaginar o que veio a partir daí? Uma gargalhada generalizada, não pelo erro nas panelas, mas pela insistência em afirmar que a coisa era mesmo daquele jeito. Somente os amigos para agüentar uma dessas. Ainda hoje, quando encontro com um ou com outro, damos muita risada da presepada nas panelas. Por que o que vale é termos histórias para contar.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Longas Noites

Ontem à noite, em meio chuva, te esperei. Aguardei-te para mais uma vez passarmos a noite juntos. Caminhar pelas largas nuvens que cobriam a nossa noite, pelos vastos campos, verdes pastos, lúgubres caminhos, com minhas mãos molhadas atadas às suas. Quando você chega faz meu coração acalmar, minha respiração ir mais fundo e meus olhos piscarem menos. Tudo para que eu não perca nem um segundo das suas parcas vindas ao meu tarde mundo onírico. Seu coração puro de menina, seu modo simples e casto de ver o mundo, falam mais de você do que julgam os olhos dos outros. Eu que a tenho em minha alma sei, tu és menina vestida de mulher. Ainda tens os medos dos trovões das madrugadas. Sei que ainda se encolhe na cama no relampejar de entre as nuvens. Saiba minha gueixa, que aqui tens seu porto, seu seguro. Chegue quando as tempestades se fizerem fortes, quando o cansaço bater e quando quiser dividir a felicidade dos bons ventos. Tens as portas e janelas abertas com brisas claras e brandas para o seu pouso. Fique o quanto quiser e esteja sempre. Mas se tiver que se ir que vá sem dar sinal. Vá de abrupto jeito a fim de diminuir o dolo da falta que ficará no vazio do seu espaço.
Espero-te nas noites de estrelas, ou não. De luas ou não. De nuvens ou não. Enquanto você não vem, não solto meu barco do cais, não retiro as amarras e fico num misto de ir e vir entre o sonho e o desperto.

sábado, 29 de agosto de 2009

As flores que renascem no inverno

Como diz no título, era inverno. Não era dos mais rigorosos, mas o era. Ventava, o frio teimava em vir. Decidido por vontade alheia à minha, estava na cama até mais tarde. Levanto e tomo um café forte, preto, sem açúcar para retomar as forças que me faltaram causadas pelo vinho da noite anterior. Saio de casa meio a contragosto. Mas a obrigação comigo mesmo é mais forte que a preguiça. Caminho pelas velhas ruas da vizinhança que não mudaram nem de traçado nem de forma nesses últimos trinta e tantos anos. O único fato novo são as grandes construções que tomam o lugar das antigas casas dos moradores que não dividem mais essas sombras comigo. Em poucos passos pelas ruas percebo que o sol quer vencer o frio insistente na manhã. Outros tantos à frente encontro um velho amigo. O velho amigo acostumado às minhas antigas lamurias, ouve-me com a costumeira paciência e harmonia no olhar. Coisa de amigo antigo. As palavras de projetos futuros e lembranças do passado eram recheadas pelo sol que agora vinha firme e fazia da fria manhã de agosto um dia quente e caloroso. Olhando por cima do ombro percebo o porquê do sol vingar no inverno. Vinha de passos vacilantes, de queixo erguido, uma bela mulher adornada com um vestido longo, florido, de generoso decote. Seus cabelos ruivos brilhavam com o sol. Sua pela alva refletia o brilho que ficara guardado por meses no armário do inverno. Como ela podia desafiar o inverno e espantar o frio da terra e da alma? Que petulância ela tinha, ao perturbar-me no meio do meu luto invernal! Onde já se viu uma coisa dessas? O luto terminado abrupto assim, antes da hora finda? Os poucos passos que ela me deu foram suficientes para emanar em mim, do coração gélido, o que a havia tido esquecido por anos. Não queria mais o inverno. Queria que ela fizesse luz de primavera. Queria te dar um girassol da cor do seu vestido. Queria dividir com ela em palavras e calor o que sua presença encheu na minha gélida alma. Não posso, de maneira alguma, permitir que ela se vá e leve consigo o meu calor do inverno e suas flores do vestido. E se ela ousasse não aparecer mais me deixando ao relento? Como farei sem a cor outonal dos seus olhos? Divida as flores do seu inverno comigo para aplacar em fim a solidão.

Ao menino de camisa listrada

Um dia garoto, perceberá que se não se atentar a essas linhas a tempo, o terás perdido e a um amor incrível. Seja assim mais frio e insensível às investidas dela em busca do seu carinho, mesmo que seja em público, e terás perdido o que um dia procurará no seu passado. Perceberás tarde que tudo estava ali, ao alcance do seu aceite, e sua felicidade de hoje e do futuro estaria confirmada. As mãos dela, quando procuram a sua no meio da calçada, são mais para que seja feita mera companhia, mas que se exprimam para todos os transeuntes, motoristas, moradores, vigaristas, estrelas do firmamento que é seu o amor que ela deixou guardado. Quando ela procura os seus lábios no escuro, não se trata apenas do beijo molhado e do carinho a ti reservado, mas de matar a sede da alma, que através da boca doce ganha o mundo e se encaminha para o universo dos corpos celestes unidos. Quando ela procura seu ombro para que alcance sua cabeça cansada, vai além do clamor por ter você como o homem que ela porventura exibira, mas um colo, certo e seguro que a sustentaria nos momentos de trevas e dúvidas. Quando ela olhar fundo nos seus olhos perceba que a janela está aberta, deflorada, para que você faça o uso que queira. Ela está exposta, disposta a receber a luz que emana dos seus. Então meu garoto da camisa listrada e de mangas curtas, perceba que esses sinais vão além. São frases completas de verbo do futuro perfeito que lhe aguarda. Perceba que o que procurará mais além, tens hoje no colo. Que o clamor que ela te faz é que seja dela por alma, que por corpo ela tem aos quilos os que a querem. Que o caminho com ela é mais largo que a visão do estreito. Que o afagar dos belos e longos cabelos claros que ela possui é para que seja feito em noites frias, e que quando em noites de calor em sua companhia, deixem exposta a nuca molhada. Creio meu caro garoto das mangas curtas e de poucas listras, que o que ela lhe tem a dar é só seu, e assim o será caso queira. Deve vós, ter o seu mérito, que aqui da minha longa distância, não me atrevo a julgar nem pra mais nem pra menos, somente não me atrevo a julgar. Sentido deve fazer o julgo dela. Essa quase moça, com olhar de menina e corpo de mulher, que incendeia os sorrisos de quem quer que passe ao largo. Não é por somar mais números à minha conta de idade que me coloco na prerrogativa de dar recados ou conselhos a quem quer que seja. É essa minha nova postura de observador do cotidiano, das histórias minhas e dos outros, que me tem me concedido a autoridade informal de perceber o que está além das entrelinhas.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Das aceitações das escolhas. (A continuação de Tudo novo de novo)

Das aceitações das escolhas. (A continuação de Tudo novo de novo)
Ok, escolha feita. Realizada. Tudo certo e decidido. Só falta agora aceitar a escolha tomada. Essa parte ninguém te falou que existia né? Escolher significa renúncia. Estamos carecas de saber disso. Mas podemos voltar atrás depois de uma escolha feita? Podemos experimentar somente um pouquinho aquele caminho para termos certeza e depois voltar para o outro que nos punha a dúvida? Não. Mais importante que escolher é aceitar a escolha, qualquer que seja ela. Escolher, além de renúncia, é aceitar. É a aceitação de si. Das suas decisões. O que nem sempre é fácil. Depois da escolha, vem sempre a pergunta que nunca se cala: - E se eu tivesse escolhido o outro caminho? Nunca saberemos, por que caso tivéssemos feito a outra escolha nos faríamos a mesma pergunta. O fato é nos aceitar. Muito injusto seria se não pudéssemos voltar atrás e tentar o outro. Às vezes fazemos escolhas erradas. Mas na maioria das vezes não. As escolhas quando feitas com os olhos da alma são certeiras, por mais que não pareçam. Quando são feitas simplesmente com a cabeça, sem levar em conta o sopro no ouvido que vem dos céus, damos com os burros n’água. Seja sincero. Quantas vezes você tinha uma atitude a tomar e duas formas de avaliar. Foi para a mais racional, que parecia ser a mais certa, enquanto sua intuição sempre lhe dizia: escolha esse daqui. E você ouvia a razão. No final das contas, sua intuição estava certa. E depois se perguntava: por que não me ouvi? O caso é aceitar as escolhas. Aceitar as escolhas é aceitar a si. Como você é. Com seus medos, forças e desafios. Nossas escolhas dizem muito de nós. Nós somos nossas escolhas na medida em que elas nos moldam. Um dia, quando aceitarmos as escolhas que nossos corações fazem mataremos os analistas de fome, não precisaremos mais do divã. Aceitar suas escolhas é um passo maior que o de Armstrong.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Liberdade

Antigamente as cidades do interior de Minas, pobre como eram, algumas continuam sendo, recebiam pessoas de várias cidades ao seu redor em busca de serviços que não e encontravam nas suas cidades de origem. As pessoas viam procurando médicos, advogados, dentistas e todo tipo de serviços que tinham necessidade. Uma das importações entre municípios mais comuns era de prisioneiros. Freqüentemente isso acontecia. Via de regra somente havia uma cadeia pública que atendesse a região. As cadeias não eram tão cheias e raramente se ouvia falar de um crime bárbaro. Geralmente eram assaltos. Antes, até os crimes cometidos eram menores. Caso conseguisse conversar com o preso, sairia de lá convencido que ele, ou era vítima do sistema, ou foi confundido com outra pessoa e, que nunca roubara nada de ninguém. Eram sempre santos. O sentimento de dó nesses casos era certo. Num desses anos dos anos 50 chegara a Alvinópolis Tité. Veio para cumprir pena na cadeia publica da cidade. Já com idade avançada pra época, davam-lhe quarenta e cinco anos, mas nunca se soube sua idade certa, começou a cumprir sua pena. Alvinópolis é pequena ainda hoje, podem imaginar a sessenta anos atrás. Todos se cumprimentavam nas ruas. O leiteiro entrava porta adentro para entregar a encomenda. Quitutes eram trocados aos montes entre os vizinhos. Quando Dona Maricota fazia uma quitanda levava um bocadinho para Dona Maria das Mercês. Que em contrapartida lhe dava laranjas pegas fresquinhas no pé, lá da fazenda. E assim a vida caminhava a passos de carroças. Podem imaginar o que acontecia com as pessoas que vinham de fora? Todos queriam saber de onde viera, o que fizera da vida. Qual era seu propósito ali e o mais importante, era filho de quem. Quando chegava um preso as perguntas se diminuíam. Ater-se-ia somente ao ocorrido. Tité chegara pra cumprir pena de uns 10 a 12 anos. Já se demonstrou muito pacífico nos primeiros meses, e assim ganhara a confiança dos guardas da cadeia. Pouco a pouco além da confiança ganhara a liberdade de trabalhar para o estado. Os guardas o mandavam para a rua para realizar os seus serviços menores. Ele ia sempre ao açougue pegar a carne para o almoço dos outros colegas, ia à mercearia levar o quilo para a cadeia, e assim cuidava da sua cadeia e dos seus presos diariamente. Os anos foram passando. A cidade crescendo e ele começara a freqüentar as cozinhas das casas das Donas Maricotas e Mercês. Além do quilo e da carne levava agora, em dias de festa, quitandas para a cadeia. Diz-se que Tité não perdia a comunhão da missa das seis na matriz todos os domingos. Ajudava inclusive a carregar as sacolas mais pesadas das senhoras que voltavam da feira. Certa feita foi a uma fazenda da região a convite de um dos coronéis que lá mandava para realizar serviço de roça no pasto. Começara ai a usurpação do estado pela esfera privada. Claro que o moço não era pago e não tinha um dia sequer da sua pena reduzida. Mas assim mesmo continuava a viver na sua vida de preso da cidade. Certa feita, passados alguns anos chega a comunicação do Juiz da comarca que seu débito com a sociedade estava quitado. Pago. Já não havia mais nada que nos devesse. Antevendo como seria dar a noticia para o detento, os guardas da cadeia fizeram uma disputa de purrinha pra ver quem seria o afortunado a dar a notícia ao futuro libertado. Essa disputa se prolongou por semanas. Até que veio a ordem expressa do Juiz: - Soltem o pobre coitado! Resolveram formar uma comissão dos guardas para que fosse dada a notícia para o, a essa altura, ex-detento. Tité era um negro forte e bem formado. Braços largos e longos de longa lida. Espaldar de jogador de qualquer coisa que usasse a força. Então era prudente que se precavessem de algo pior. E o pior aconteceu. Imediatamente quando deram a notícia para o libertado, ele pegou um dos três guardas pelo pescoço e deu-lhe uns bons safanões. A fúria e raiva que nunca haviam visto aparecera naquele moço pacato. Aos berros gritava que ninguém o tiraria da cadeia. Que Juiz nenhum mandava na vida dele. E que a pena que ele tinha que cumprir era maior. Que tava todo mundo errado. E se ele estivesse errado ele tiraria aquela vida que tinha nas mãos para que tivesse mais pena a cumprir. Como no Brasil não havia pena de morte, certamente pegaria uma perpétua para a sua idade. Ficaria ali até morrer. Foram chamadas várias guarnições policiais, pentecostais e de senhoras das cozinhas. Sem precisar matar ninguém, e com a promessa do Padre, com a benção do Juiz e com os cuidados das senhoras das cozinhas, ele ganhara sua liberdade. Sua liberdade foi escolher. Ganhou a vida de preso.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Descobri quem mexeu no meu queijo!

Ainda não meus caros. Ainda não me rendi aos livros de auto-ajuda de qualquer tema. Muito rasos para a profundidade da alma e do essencial do humano para ser tratado como receita de bolo. Se for pra ler receitas, que sejam culinárias. Pelo menos o sabor e os resultados são mais garantidos. Mas voltando ao queijo. Quando morava na minha Campo Grande, ou Big Field, carinhosamente pelos que a amam, fiz uma dessas minhas viagens pelo Brasil, não sei pra onde e nem sei se foi a trabalho ou a lazer, mas sei que quando voltei tinham mexido no meu queijo, literalmente.
Quando saí de BH fiquei mais mineiro. Torci mais pro Galo, se é que isso é possível, as músicas do Clube da Esquina faziam mais sentido que nunca, os poemas de Drummond colocavam palavras nos meus sentimentos e sentidos. Até Roberto Drummond comecei a respeitar! A saudade e da nossa terra idealizada nos faz vê-la como a queremos. Uma das coisas que mais sentia falta era da culinária daqui de casa. Daqui de minas. Quando a saudade apertava demais, ia a um restaurante de comida mineira por lá. Na parede ao fundo do fogão a lenha havia uma foto famosa de um meu conhecido do pôr do sol de BH. Era a vista da serra do curral. Quando via essa imagem meu peito se enchia de lágrimas. Mas logo era calado pelo sabor do frango com quiabo que me lembrava a cozinha da minha avó. Numa dessas vindas a BH para matar a saudade do ar das montanhas levei um pedacinho delas comigo na bagagem. Sim, levei um pedacinho das montanhas de minas comigo. O legítimo queijo canastra. Oriundo de lá mesmo da linda serra da canastra. Dessa maneira, me sentia bem pertinho das minhas montanhas todas as manhãs, juntamente com o café fresco. E assim foi. Pedacinho por pedacinho, religiosamente todas as manhãs. Um pedacinho daquela iguaria pra alma por dia. Bom, viajei, deixei a chave de casa com uma querida amiga, a Fabi, e ela foi lá em casa cuidar das minhas plantas. E ver se estava tudo em ordem. Como toda mulher ordeira e mandona que é, foi dar uma dura na geladeira. Viu um pedaço de queijo que parecia velho, mofado e para checar sua dúvida, meteu o nariz no pote. O cheiro do queijo já bem curado não combinou com o seu sensível e delicado nariz. Ela não teve dúvidas. Lixo! Quando retornei da viagem ela me conta, que além de molhar as minhas plantas, arrumou melhor a casa. Por que a minha faxineira precisava aprender algumas coisas sobre arrumação e limpeza. Agradeci pela gentileza. Afinal, é uma amiga cuidadosa com os dela. E era bem possível que ela cuidasse assim das coisas dos que ela ama e considera no hall dos amigos. Fiquei bem feliz em pertencer. Na manhã seguinte, fui à geladeira, seco de vontade pelo meu canastra e para minha surpresa ele não estava mais lá. Foi um choque. Era como se tivessem calado Milton Nascimento no meio do seu mais alto falsete. Fiquei mudo. Sem reação. Sem entender o que acontecera. Meu canastra acabou? Bom, se a Fabi tivesse se rendido a ele, tudo bem. Quem não se renderia? Com muito jeito e meio sem graça resolvi perguntar se ela havia gostado do queijo. E ela me disse: - Eu? Joguei aquilo fora! Estava fedendo a geladeira. Ah! Entendi naquele momento a dor de Otello. Traído pela própria amiga. A quem confiara a chave da própria morada. Traído. Meus olhos se encheram de ira e de lágrimas. Sequei as lágrimas e molhei a garganta seca. E claro que depois desse momento a brincadeira com a Fabi por ela ter mexido no meu queijo ganhou as ruas e nossa roda de amigos. Ela ainda fica sem graça quando a história é contada. Experimentem. Vocês vão morrer de rir com a cara de sem graça dela por ter jogado o meu canastra fora. Ela não sabia, e não saberá tão cedo, quão boa é essa guloseima. Pois canastra mesmo, só mesmo aos pés da Dona Beja.

sábado, 25 de julho de 2009

As ruas da madrugada

A mim, as ruas da madrugada me parecem prostitutas sem sentido.
Sempre esperando aquilo que a trazem o porquê de existirem.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Meia Banda

Chovia no sertão de Goiás. Ainda era tarde. E precisava chegar à capital federal ainda naquela noite. Como os dias eram dias duros e secos, fui tentado a pagar uma viagem clandestina, conseqüentemente mais barata. Além de mim e do motorista, que me parecia ter bastante experiência, um jagunço daqueles fortes, altos e brabos de fazenda grande e duas moças bastante distintas. O coche não era dos piores e lá fomos nós nos embreando no sertão central do Brasil. Afinal, parecia que a viagem iria ser das divertidas. Poderia até fazer amizades com os estranhos que me acompanhavam, quem sabe? Trocar idéias. Ter visões diferentes dos meus pontos de vista já tão arraigados. Queria até mesmo ser convencidos do contrário sobre alguns pensamentos já velhos e desgastados. E a viagem começou. Já se fazia tarde para a noite. As luzes da cidade começavam a ascender, assim como as estrelas que uma a uma iam furando as nuvens esparsas do céu. A chuva cedia. Perdia força à medida que o acanhamento daquelas cinco pessoas desconhecidas iam-se diminuindo naquele espaço minúsculo que a circunstância teimou em nos colocar. Como ganhei o banco da frente com a anuência do motorista ao troco de alguns trocados a mais no preço da passagem, me senti no direito, herdado, de dar o tom nos assuntos dentro do automóvel. Pensei cá com os meus botões. Como colocar o assunto para um peão de fazenda, duas mocinhas delicadas, além de mim, claro. O motorista não precisava se perder nos assuntos da viagem para não se distrair com a estrada. Seria melhor assim. Pensei num assunto em comum. Futebol, elas poderiam não entender. Política, desperta mais paixões e raivas sem sentido que o jogo dos vinte e dois. Música? Sim música, afinal é um assunto que domino. E estávamos em Goiás, terra da música regionalista caipira. Além de tudo poderia até encantar as mocinhas dizendo a elas que toco um vasto repertório que possuo numa pasta de cifras. Estava decidido, seria música. Quando respirei para colocar a primeira frase que foi pensada com cuidado e delicadeza para não agredir os gostos e ouvidos de ninguém, o motorista solta essa: - e o Vila ontem hein? Vocês viram? As meninas imediatamente se entreolharam e disseram em uníssono: - Jogaço! Três a zero foi pouco naqueles gnomos verdinhos do Goiás! E começaram os três a comentarem os detalhes do jogo, como os cartões aplicados, as faltas não dadas e o pênalti que não existiu a favor do Goiás. Mas que mesmo assim o juiz marcou com firmeza. Como o futebol é um esporte quase santo, um milagre foi operado. O goleiro não se mexeu na hora do chute e a bola foi parar nas mãos dele. Justiça! Uma delas exclamou com o orgulho no peito. “Pênalti roubado não entra”. E assim o assunto se desenrolou entre os três como se ninguém mais houvesse no carro. Percebendo o meu silêncio e do calado jagunço o motorista pergunta: - o amigo aí atrás não torce pro Goiás, certo? Ele responde seco: - Não. Um hiato se faz no carro, só se ouve o barulho alto do motor e os pneus no asfalto. Todos esperávamos o complemento do comentário da negativa em torcer pelo time que havia perdido a peleja na noite anterior. Antes do motorista complementar um comentário ele responde desviando o olhar da janela que fitava: eu pesco. Só isso. E não falo de futebol pra não arrumar briga. E briga com aquele homem era coisa que poucos iriam querer. Para não perder a educação o motorista comenta: - então todos somos torcedores do Vila, certo? E me fita com o olhar aguardando aprovação. Eu como bom diplomata que sou me peguei pensando em responder que sim. Afinal de contas, quando viria aquelas pessoas novamente? Seria melhor responder que sim para não causar desconforto. Mas o sangue alvinegro falou mais alto. Respondi quase como o jagunço. Não! Mas a invés do hiato, já tratei de me explicar rapidinho. Sou atleticano. Sou mineiro e torço pro Galo. Alívio para mim e indiferença dos outros quatro. Depois disso, mais um hiato. Pensei em puxar assunto de pescaria com o tal amigo do banco de trás. Mas meus conhecimentos se baseavam em dar banho em minhocas nas barragens que ia quando criança com meu pai. Achei que iria fazer papel de bobo, mas tomei coragem e o fôlego juntos. Afinal poderia, com aquele assunto, trazer aquele pobre coitado para o meu lado da viagem. Já que fui traído pelo motorista quando tirou da minha boca a oportunidade de demonstrar meus conhecimentos de música, elaborei uma pergunta em que a resposta eu conheceria. Não perguntaria de tipos de peixes, iscas anzóis, enfim nada que fugisse ao meu parco domínio dos assuntos de pesca. Preparei-me para a inquisição, e no mesmo momento o motorista solta outra: e como anda a pesca de peraputanga no alto Araguaia? O jagunço se arruma no banco traseiro do carro, se preparando para tecer um longo comentário ao assunto que ninguém ali dominava como ele. E responde seco, - Já foi melhor. Um pequeno hiato e depois disso. “– tem muita poluição nesses dias. O rio ta morrendo”. Um triste silêncio invade o carro. Parecia que estavam velando um moribundo. Talvez as lembranças dos “verões” no Araguaia tenham vindo à memória de todos. Foi nesse momento que me senti um estrangeiro no meio daqueles outros.
O silêncio começou a me incomodar. Queria um som que fosse diferente do ronco do motor e dos pneus no asfalto embalados pelos longos suspiros de saudade de um tempo que ficara na memória deles. Pensei em conversar com as meninas. Teria que ser com as duas ao mesmo tempo para que não pensassem que estava escolhendo uma a outra. Afinal, nós homens é que somos os escolhidos. E deixaria isso por conta delas. Elas que resolvessem quem teria a felicidade de me conhecer. Quem teria o prazer da minha cara companhia. Elas me pareciam serem estudantes. Iria perguntar alguma coisa assim nesse sentido. Mas me prometi que não demoraria, senão o motorista atropelaria novamente as minhas frases e intenções. Sem muito pensar ou respirar perguntei a elas: e vocês duas estudam? O motorista imediatamente mandou-me calar. Pensei, cá comigo. Mas será que fui tão ofensivo em perguntar se as meninas estudam? Tudo bem, a educação nesse país é mesmo uma vergonha, mas não precisava me mandar calar. De repente o barulho seco invadia o automóvel. Era isso. Ele queria ouvir. O barulho do solavanco do pneu batendo no asfalto. O inconfundível barulho de pneu furado. Um misto de alívio, pela repreensão não ter sido pela minha pergunta, e receio, por um pneu furado no meio do nada no sertão central do país. Encostamos-nos à lateral da rodovia. Já se fazia longa a noite. Estrelas furavam o tapete azul marinho do escuro céu. Ouvia-se até o barulho delas a dançar naquela noite. Tamanho o som do silêncio da noite deserta. Descemos do carro e não tivemos dúvida. Pneu furado. O motorista nos aguardou a tirar as poucas bagagens do porta-malas e ficamos ali imóveis, impassíveis, aguardando o motorista a trocar o pneu. Achamos todos que o jagunço, sendo forte e acostumado a trabalhos braçais, iria se prontificar a ajudar. Mas olhando mais de perto, nem forte, e nem muito alto o era. Estava mais para gordo do que para forte. A altura era dada por um tamanco de homem manco, que alinhava a altura de uma perna mais curta que a outra. Nem jagunço o cabra era. As meninas me olharam, com a minha roupa de homem de escritório e logo me julgaram a almofadinha. Que não iria colocar a mão na massa para não me sujar. De certo, pensaram de mim um janota qualquer. Na mesma moeda, percebi que não eram tão distintas assim as mocinhas. Trabalhavam à noite, ajudando os menos afortunados no amor a receberem seus mimos por um valor a mais na passagem. Estavam indo pegar um ônibus para a alta temporada de uma obra federal no Tocantins. Canteiro de obra era certeza de faturamento alto para elas, vendedores de pingas, bíblias e outros devaneios. Resolvi tomar conta da situação. Arregacei as minhas mangas de camisa fina como pensavam, e fui ajudar o pobre motorista. Somente ali percebi que os óculos que ele usava eram mais grossos do que supus no primeiro encontro. Era considerado um quase cego. Ele dizia que as vistas só eram ruins pra perto. Pra longe tava muito bem. Quando vi o estado daquele pneu disparei sem pensar e nem respirar: - mas esse pneu tá completamente careca! E ele respondeu na medida. - Que isso? O pneu tá meia banda. Ainda roda muito. Até rodava, mas não comigo dentro daquele carro meia banda. Sem darmos um pio uns com os outros chegamos ao destino depois de deixar as moças no entroncamento para o Tocantins e o pescador metido a jagunço próximo a um sítio. Prometi a mim que nunca seria assim, meio jagunço, meio pescador. Meio moça-da-vida e meio donzela, meio cego e meio são. Meia banda nunca.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Alegoria dos encontros

A coisa do escrever, do criar, do pensar o nosso tempo e esse mundo vem de fontes das mais diversas. Desde uma brincadeira com amigos, chegando até leitura desenfreada de autores do mais alto gabarito filosófico. A diferença está em estar atento ao mundo e perceber os sinais, alguns claros outros nem tanto, que nos cercam. Foi num desses encontros regados a cerveja torresmo e tira-gostos mineiros que eu e um amigo discorríamos sobre a vida alheia de um terceiro amigo, claro. Botecos e cervejas combinam tanto quanto a mal falada filosofia de bar e a vida alheia comentada. Esse amigo me disse das impressões que tinha tido da atual namorada do dito-cujo. Para ele a mocinha não tinha nada a ver com o amigo foco da conversa. Que ela em nada se parecia com ele. E isso em tom indignado! Na mesma moeda eu respondi:- que bom! Vai ver esse nosso amigo encontrou na amada o que sempre lhe faltara. Se assim o é fisicamente, por que não psicologicamente?
Os encontros são sempre fortunas e nem sempre fortuitos. Sempre há tempo de acontecerem, basta que seu canal esteja sintonizado na freqüência certa. Existem formas mais diretas e outras nem tantos dos encontros se darem. Hoje, temos a internet, os clubes de solteiros, para que deixemos de sê-los. Vamos às boates a fim de encontrar alguém para passar algumas horas e talvez, quem sabe talvez nos vermos em um ou mais dias. Existem até cidades que promovem, pela sua concepção urbanística, a arte do encontro. Outras do desencontro. Mas o que importa é que cada vez mais as pessoas buscam meios para intermediar o que antes era feito deixado completamente para a obra do acaso. Não que as intenções mudaram nesses tempos. As vontades são as mesmas. As necessidades de conquista também. O cerne da questão continua o mesmo. As pessoas continuam com a necessidade de se relacionarem. Mesmo que as relações pessoais sejam cada dia menos impessoais, sempre buscamos forma de compensar esse distanciamento que nos provocamos. E quando nos encontramos, é uma festa. O tempo para. Faz-se silêncio onde havia barulho. E tudo mais faz sentido. Percebemos que é por esses momentos que procuramos, quando encontramos na nossa busca, na nossa odisséia terrestre o que nos preenche a lacuna latente a que os gregos atribuíam à cisão as almas.
O sentimento de completude se dá no encontro quando percebemos que nosso eco é respondido além da pergunta, mas com uma resposta que o preencha. É assim que percebo que os encontros vão além do olhar e do sentir.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Budapeste é amarela

É com essa frase, que para quem ainda não viu o filme sobre a obra de Chico Buarque parece pouco impactante, que a película nos envolve nos seus primeiros minutos na sala escura. Sim, para o protagonista Budapeste é amarela. Um amarelo de um amor que precisa ser vivido com mais entrega. Um amarelo que acolhe sem sufocar. Um amarelo que nos remete a tantas questões calorosas e familiares. Mas um amarelo de amor e de aceitação. Não quero discursar sobre o que a cor amarela nos remete suas características e aplicações. Para mim as cidades do leste europeu seriam sempre cinzas cortina de ferro marxista e nunca amarela. Mas gostaria de perguntar: que cor tem a sua cidade? Ou melhor, como você enxerga a sua cidade? Melhor ainda, como você se vê diante da sua cidade, da sua vida? Essa é a pergunta. Sua vida tem que cor? Cinza sem sabor? Tons pastéis que não erram, mas também não trazem grandes surpresas? Verde, com esperança e bem aventurança para os que os cercam? Vermelho, de amor e ódio, mas sempre com sentimentos intensos para você e para os seus? Preto? Branco? Azul? Enfim. Como é o mundo que o cerca? O mundo é feito por nós na medida em que ele nos devolve respostas. Mas como o enxergamos é a forma de como o faremos. É como enviaremos as perguntas para essas respostas. E para aquele personagem, Budapeste era amarela em todos os sentidos. E foi assim que foi construída por ele. Com tons calorosos, dominando as amarguras que viveu. Ele tem um quê de herói. Construiu sua felicidade com a escolha do olhar. E como todo herói, ele não o fez sozinho. As cores do mundo quem o cercava contribuíram para o amarelo, ora mais pálido, ora mais vivo.
Realmente o mundo não é feito de uma cor. Cada um de nós coloca seu tom e vamos construindo essa gama de cores. Agora me respondam. Qual a cor que você quer para sua Budapeste? Qual cor ela teve até agora? Olhe o passado com os olhos do sagrado, que é o tempo a quem ele realmente pertence, e pergunte-se isso. Se a nostalgia lhe bater, desbote as cores do bege-amarelado e viva a saudade. A saudade é do passado, e que também é do sagrado. Já o hoje é do profano.
Assim como é possível ver Budapeste ao samba de Chico é possível ver a vida mais calorosa.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Santo acompanhado

Quando nasci foi uma festa. Verdade, uma festa e tanto! Junina ainda por cima. Deixem-me explicar para não pensarem que meu ego é maior que é. Quando uma criança nasce é uma enorme alegria. Ela trás o sentimento de renovação, de recomeço, que tudo dali pra frente vai dar certo por causa daquela pequena criatura. Mas no meu caso, além de toda essa felicidade, eu fui o primeiro, neto, o primeiro filho. Então podem imaginar. Mas havia outro motivo para foguetório. Era dia de São João, 24 de junho. E como naquele tempo não havia muito essa coisa de programar os partos, meus pais ficaram sem saber quando eu chegaria e resolveram continuar levando a vida. Até que nesse dia de São João, meu pai convidou minha mãe para irem a uma festa junina. Minha mãe, como boa mineira e boa festeira não deixou pra menos. Foi logo aprontando uma fantasia de jeca. Uma jeca linda e grávida de nove meses. Ia ser a grande atração da festa. E lá foram se arrumando, meu pai com suas calças pega-frango e cheia de retalhos, camisa xadrez e chapéu de palha. Minha mãe com seu vestidinho de chita rendado e umas tranças improvisadas. Além do assessório que vinha na frente, eu naquela barriga enorme. Vestiram-se, maquiaram-se, e eu lá dentro sentindo toda agitação dos preparativos da festa. Os fogos começaram a arrebentar e a riscar o céu. A cada estouro o coração da minha mãe disparava e eu sentia uma alegria ali dentro que não cabia nela. Meu pai, como todo bom caipira resolveu levar sua pinguinha embaixo do braço para compor personagem. E de longe ficava acompanhando as pintas que nasciam no rosto da minha mãe juntamente com os sustos que ela tomava a cada foguete que subia. Ria-se todo! E eu lá dentro percebendo aquela excitação toda em torno da festa. Até que a curiosidade não me deixou ficar. Tinha que saber do se tratava, por que tanta felicidade, por que tantos corações disparados, por que o riso solto e fácil? Resolvi ir junto, mas de corpo presente. Nada mais de barriga em torno de mim. Queria era curtir a festa. Sentir de perto o calor da fogueira na noite fria de junho. O cheiro indelével da pipoca na manteiga que estoura na panela, os aromas de cravo que perfumam o quentão. Queria ser testemunha das cores vivas das espigas de milho assadas em brasa. Sentir meu coração disparar ao tocar do trio pé de serra. Resolvi que essa devia ser uma boa hora. Afinal era dia de festa. Que dia melhor para nascer? E assim, lá foram meus pais, vestidos de caipira correndo para o hospital para que se desse a entrada ao penetra de última hora na celebração de São João. Esqueceram-se de me avisar que um parto é realmente um parto. Quando foi dado o anúncio da minha chegada já era tarde. Não poderíamos ir mais à festa. Mas outra fora dada em seu lugar. Assim, entra ano e saí ano, todo dia 24 ainda devo uma ida a uma festa junina aos meus pais. A melhor festa junina de todos os tempos. Aquela que vi pelos risos soltos do meu pai e pelo coração da minha mãe.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Ode às paixões

Quando consegui finalmente encontrar o olhar dela no meio da multidão perdida de uma noite fria, encontrei também um sorriso que ascendeu às estrelas. Os seus olhos eram incógnitos. De cores incógnitas. Só percebi isso muito tempo mais tarde. Mas já devia saber que isso era sinal de alguma coisa. Não eram olhos de olhar de soslaio. Eram olhos de olhar direto e profundo. Seus tons variavam levemente de acordo com o tamanho da melancolia. Uma coisa não variava; a cor incandescente do cabelo. Era dela, vinha de dentro esse vermelho intenso. Essa intensidade que se refletia nos cabelos estava ali em algum lugar, intocada. Mas ela nunca me deixou chegar tão profundo. Restou a mim a melancolia e os tons dos olhos, a intensidade era guardada para quem ela quisesse. Foi assim, com essas evasivas que meus olhos se perderam nos olhos dela. Foi assim que me perdi dela. Certa feita, ela ia embora do quarto do hotel depois de uma visita pela madrugada. Avistei-a indo embora pelo corredor amanhecido, com o vestido levemente amassado, com os cabelos profundamente tocados e com os saltos numa das mãos e meus desejos na outra. O dançar das pernas em meio à fazenda me roubou mais que suspiros. De outra feita foram olhos escusos. Escondidos por trás de escuras lentes opacas nos encontramos no meio do caminho entre nossas janelas. Fomos fundo nas nossas almas. Naquele momento nos pertencemos eternamente. Seu coração tocado se emocionava através das cores amanhecidas do mar. O meu acompanhou como que se seguisse a sereia nas pedras. Perdi-me. Mas me pertenci profundamente.
Era nessas horas que percebia que valia a pena saltar do despenhadeiro sem se importar com a queda. Importante era o frescor do vento e de ver a paisagem de um ângulo só meu. Não que fosse inconseqüente ou gostasse do sofrimento. Mas fazia parte do pacote. Era como se fosse comprar um carro sem as rodas. Não existe por que e nem para quê. Então, melhor que fosse completa que pela metade. Viver uma coisa dessas assim pela metade e ficar só na entrada sem o prato principal. Um brinde a vida! À vida!

terça-feira, 19 de maio de 2009

O lugar do amor platônico

Interessante essa coisa do retornar. Do voltar. O sentimento de completude, de total conhecimento se faz presente. Tudo é natural. O ritmo da cidade, das pessoas, as ruas que mudaram de mão. – Já não era sem tempo! Esse é o único sinal de estranhamento. É na nossa casa que nos refazemos. São com os nossos que tomamos força para levantar e caminhar para o mundo. O tempo aqui tem servido para isso. Além de cuidar das chagas, rever antigos amigos, perceber que os bons sentimentos não mudaram. E outros tantos ainda podem crescer. Surpresas num ambiente tão conhecido a um velho urso poderiam parecer estranhas, incomuns. Mas acontecem. Ao mesmo tempo, perceber como nos ligamos ao que nos fortalece. Ao que nos é mais natural, ao que se apresenta com naturalidade e sem mistérios. Aproveito sempre pra rever lugares e amigos e me sentir cada vez mais confortável nessa etapa. O passado fica presente através dos lugares e dos causos com as pessoas. Mas vale contar que num desses dias um pedaço interessante desses remotos tempos me veio à mente quando revi um dos meus amores platônicos da infância. Passando num dos cruzamentos aqui perto reencontrei uma das meninas a que jurei amor eterno. Aquele amor puro e intocado de criança, ou melhor, adolescente, por que essas coisas não começavam tão cedo como hoje. Ela me remeteu a todas as outras pelas quais eu sempre tive aquele amor irrealizado e mais do que tudo idealizado. Percebi que algumas coisas têm o tempo próprio e devem permanecer assim. Não que o tempo tenha sido indelicado com ela. Não é isso. Ela se transformou numa bela mulher. Mas percebo que esse amor tem o seu lugar próprio. O seu tempo. Ele continua vivo nas minhas lembranças e quero que continue assim, vivo no lugar onde nasceu e que permaneça ali sempre. Não gostaria de violá-lo. Ele tem mais valia assim, intato, puro, sem sacanagens. Remete-me ao quão puro nós éramos e quanto nós podemos ser. Pois, não mudamos muito nossa essência desde que nos descobrimos enquanto gente.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Dos doces das abelhas

Dos doces das abelhas
Uma vez me disseram, acho que foi a Juliana, que eu tinha uma maneira bem particular de olhar o mundo. O comentário foi literal, pois era uma referência a alguns ângulos que achei para fotografar as igrejas de Belo Horizonte na minha primeira e única exposição individual de fotografias. Percebi que isso se aplicava perfeitamente como fazemos nosso mundo. De como olhamos o mundo e o construímos, além de como o modificamos e por ele somos modificados. Podemos dar o tom das coisas que nos cercam. Ou seja, podemos enxergar o mundo através da janela que quisermos. Acho que a Ju tava bem certa ao dizer isso, pois coisas ordinárias que nos acontecem podem ter a cor que quisermos.
Conheci certa feita, uma bela. A primeira vista, sim bela, mas o que mais impactava na formosa figura eram seus comentários e observações acerca do que a cercava. Psicóloga que era, num dos meus comentários com umas cervejas a mais na cabeça ela não titubeou em me receitar um dos seus para dividir aquelas experiências. Enfim, me rendi. Fui parar numa linda casa no charmoso bairro Moinhos de Vento em Porto. Lá, antes de ser recebido pelo largo sorriso e saudoso abraço da Ana, encontrei alguns ferrões pra enfrentar, literalmente. É que as abelhas da casa vizinha resolveram atacar quem chegava e quem saia. Era um verdadeiro enxame. Com direito a carro de bombeiros para acalmá-las. Pensei: Ok! Vamos nessa. Se tiver que doer que doa. Mas já cheguei até aqui, não será agora que voltarei atrás. Afinal de contas a diferença entre o remédio e o veneno é o tamanho da dose. E nesse caso seria estava a beira de uma overdose! E era bem disso que precisava. Uma dose cavalar de boa terapia para achar o caminho das questões da mente, da alma e por que não do coração. E se as abelhas fizessem parte do tratamento, que fossem bem vindas. Mas ao invés disso, recebi um grande abraço e um enorme sorriso da pequena Ana. Foram alguns meses de trocas e aprendizados intensos em que me revi e redescobri a pessoa que sou hoje. Gostei muito do que vi. Apesar dos tropeços o saldo é positivo. E isso eu agradeço a Ana. Tratou das minhas vicissitudes com delicadeza e carinho. Atenção e seriedade. Mas sempre com o cuidado necessário para tratar das feridas abertas há muito e que ficaram ali escondidas e sem cuidado. Essas coisas sem o devido cuidado dão gangrena minha gente. Física e espiritual. Só mesmo uma pessoa como ela pra tratar desses assuntos como ela o fez. Foi um verdadeiro presente. Percorremos caminhos escuros e esquecidos. Os recentes, os mais lembrados, os mais profundos, os nem tanto assim. E todos com o mesmo zelo. Tinha dias que eu ficava meio preocupado com ela. Dava vontade de trocar de lugar e cuidar um pouco de quem tanto cuidava de mim. Mas como retribuir o carinho com um psicólogo? Até hoje eu não sei como fazer. Afinal, no caso da Ana, ou melhor, Aninha, (por que como disse a ela: não dá pra chamar de Ana alguém que é tão intimo assim da gente né?) tornou-se uma grande amiga. Uma das poucas e grandes que fiz nessa terra. Mal das Anas? Tenho algumas muito especiais na minha vida. Ela não é mais uma. Assim como as outras, tem um lugar especial na minha história. Ledo engano pra quem achava que sairia de lá com o espírito ferroado. Saí com a alma lambuzada e doce.

terça-feira, 5 de maio de 2009

A febre da vez.

Ah, mais uma crise internacional pra gente se preocupar. Agora paranóia é com a saúde. Será que dessa vez morre mais gente de gripe do que do dengue, malária ou alguma dessas nossas mazelas subtropicais que já viraram notícia velha no noticiário das oito? Bom, sei que dessa vez embarquei nessa. Não na paranóia, mas na gripe mesmo. Não na famosa gripe do porco. A minha poderia se chamar gripe do Galo. Meu time anda me deixando doente! Mas, exageros e brincadeiras a parte descobri o que me fez gripado dessa vez. Uma alergia daquelas. Cama no feriado inteiro acompanhado dos bons chazinhos e mimos da mamãe. Ah, por essas é bom estar de volta. Mas o que me atacou a alergia dessa vez foi passado. O passado me trouxe lembranças que me deixaram constipado. É um sentimento estranho acompanhar o envelhecimento de uma pessoa. Tenho visto minha mãe ganhar rugas, e algumas “macacoas” como ela mesma gosta de dizer. Mas também vejo a envelhecer através dos objetos guardados. Cada dia que passa ela guarda mais e mais coisas na sua vida. Além de objetos físicos, como papéis, fotos, caixinhas e objetos que pensamos que não servem para nada prático, ela tem colecionando uma boa quantidade de sentimentos. Vive sempre o presente dela claro, é uma mulher contemporânea. Até educada digitalmente ela é. E-mails e SMS para ela são coisas rotineiras. Orgulho de filho babão. Mas por mais que ela esteja assim, ligada ao tempo presente, vejo sempre o passado dela como companhia. Ela não tem lá uma idade muito avançada para os padrões de hoje. Mas percebo além da saudade de um tempo que não volta mais, atitudes antigas, arraigadas ao longo de muitos anos e que hoje me levam numa divertida volta ao seu passado. Quando cheguei de volta aqui comecei a perceber como a casa dela funcionava agora, pois hoje sou um hóspede por tempo ainda não sabido, mas determinado. E assim fui observando a rotina dela e da casa e tentando encontrar um pequeno espaço que me coubesse nesse mundo particular que ela criou depois da revoada dos filhos. Os detalhes fazem a diferença nesse caso e um dia, em cima do fogão havia uma panela cheia d’água. No outro dia também. No seguinte a mesma coisa. E comecei a observar aquilo. Nada para cozimento. Nada de molho. Apenas uma chaleira com água sobre o fogão. E comecei a me questionar que hábito era aquele. Pois, por mais que se alterasse de vasilhame a água estava sempre presente numa das bocas do fogão. Lembrei da casa da minha avó. Onde há muito havia um fogão à lenha na cozinha. Onde havia sempre uma chaleira com água e o fogo aceso. Pronto para passar um cafezinho para uma visita sem aviso prévio. E desse jeito, ela vem trazendo lembranças há muito deixadas pro nosso tempo. Traz a minha avó, o fogão a lenha, a broa de fubá, o frango com quiabo, com ora-pro-nobis, traz a roupa quarada, o acordar com o cantar do galo. Enfim traz seu mundo, seu conforto aos dias de hoje que finalmente são os seus. Não foi Galo nem o cheiro inconfundível dos guardados expostos que me deixaram doente. Foram as suas memórias. Ligar as saudades dela no meu presente. Foi a impossibilidade de viver um passado que não é meu, mas que me trás tanta saudade e me é tão familiar. Gosto muito dessa brincadeira de ligar o passado dela ao meu presente. Até por que esse tempo se confunde em nós, se funde em um. Mas o meu passado não tem o cheiro de lenha estalando no fogão. Nem a fumaça do chá de folha de laranjeira. Nem das mãos frias esquentadas na beira da fogueira acesa no mês de junho. O meu passado não tem ácaros nem esses cheiros de doces nos tachos de cobre, mas também pudera ele é digital. E o tempo é um presente que cada um de nós recebeu.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Nome próprio

Minha avó anda meio preocupada com os netos, no caso, eu e minhas irmãs. Como muito católica que sempre foi, gostaria que todos seguissem o mesmo caminho. Mas minha mãe, com a autonomia que lhe foi concedida pela vida, decidiu que nós, os três filhos, teríamos a liberdade de escolha e não herdássemos a fé alheia. Ela dizia: escolher a religião de vocês eu não posso fazer. O nome, que é algo que não temos opção eu escolho, mas a fé é com o coração de vocês. E assim foi. Cada um de nós escolheu seu caminho ouvindo onde a fé toca seu coração. Mas me ficou na cabeça essa coisa do nome. Como é grande a responsabilidade de colocar o nome em alguém. Já perceberam a carga que trás um nome? O simbolismo que carrega cada um? Todos já ouvimos histórias escabrosas sobre nomes mais que estranhos. Quem não conhece, ou já ouviu falar de uma professora com o nome de Valgina? Sabiam que havia um deputado federal de não sei qual Estado chamado Hitler Mussolini? O que os pais dessas pessoas querem dizer com isso? Que a mulher acima é hiper-feminina? Que não se tenha dúvida da sua feminilidade? Que esse outro é um ser terrível? Quem de vocês colocaria o nome do seu filho de Hitler? Geralmente procuram-se nomes de santos, de heróis da antiguidade e ultimamente de atores ou personagens de filmes e novelas. Para que? Para que essas novas criaturinhas que virão recebam de alguma maneira as bênçãos desses que passaram por aqui. Que herdem seu sucesso e sua história de vitórias. Em outros casos, uma homenagem a pessoas queridas a nós. Que nos são muito caras. Já perceberam que existem ondas de nomes? Ou nomes da moda. Parece que as mães combinam que em determinada época os filhos terão nomes idênticos. E sempre na mesma faixa de idade. Particularmente eu hoje adoro meu nome. Claro que quando era criança não gostava. Era diferente dos meus amigos chamados Bruno, Leonardo, André. Eles claro, não recebiam apelidos oriundos dos nomes. E o meu era um prato cheio pras piadas. Mas como tudo na vida muda, hoje eu não queria outro nome. Ter um nome assim tão incomum faz parte da minha personalidade. Ajudou a construir a pessoa que sou hoje. Sempre ouço que meu nome é diferente, que nunca ouviram falar e via de regra perguntam: Arturo? Com H ou sem? Eu acho graça. Uma vez me disseram: vou chamar você de Arthur, ok? Eu disse: - Não! Vou te chamar de Rodrigo então, ok? Rogério! Minha mãe caprichou tanto e você vem com essa simplificação boba? Não vai rolar meu caro!
Numa das minhas aulas mais interessantes da graduação da comunicação, um dos nossos professores de filosofia, o Maldonado, ministrou duas aulas inteiras falando dos nomes. E o tamanho da carga que vem a reboque do nome escolhido. Um nome não é somente uma marca, uma diferenciação entre os seres humanos. O nome nos faz ser como somos. Abençoa-nos ou amaldiçoa-nos. Nos trás benesses. Não nascemos como uma página branca. Já temos uma história que vamos herdar e dar continuidade.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

O Resultado da forma

Nesse nosso mundo de resultados, números, sobe e desce de balanços econômicos e financeiros, onde damos mais valia aos resultados, um detalhe, que pode não ser somente um pequeno detalhe, me veio ao pensamento. Temos dado toda a importância ao resultado final. Ao quanto alcançamos de nossas metas, ao quanto temos no banco, quanto tempo viveremos e deixamos num segundo plano a forma. Como vivemos, como conquistamos, como convivemos com o outro ao nosso lado. Essa crise que aí está, (prometi escrever de temas perenes eu sei, mas essa crise é somente um pano de fundo para algo mais relevante e ilustrará bem o que quero dividir com você, além do quê sofreremos sua influência por um longo tempo ainda) não é somente uma crise de números e quebras de bancos. Não sei nada de economia para falar das causas e dos efeitos dessa crise ou de outra qualquer, mas o que me preocupa nesse caso é a forma como chegamos aqui. Todos nós fomos, ou somos obrigados a atingir nossas metas, quaisquer sejam elas, pessoais ou profissionais, não importando os métodos para que esse ponto seja atingido. Para aqueles que questionam o mundo que o cerca, quando o resultado é atingido fica um vazio e começa o balanço pregresso do que foi feito para se chegar ao alvo. A partir daí sua caminhada aos passos do passado começa a tomar forma. E de maneira lenta e gradual algo incômodo vai tomando conta da sua alma. É o questionamento de como se chegou aonde chegou. Como se foi parar no ponto em que está. E mais que os resultados obtidos essa é a primeira pergunta que nos fazemos. A forma importa. O como chegamos, a forma como fizemos para chegarmos onde estamos é o que nos resta quando atingimos ou não nossa meta. O que isso tem haver conosco e com essa crise? Observem. As pessoas não eram levadas em conta antes da crise. Simplesmente tentávamos reduzir custos para obter o máximo de lucro. Com isso achatando os salários e dando condições insalubres para os trabalhadores, para que obtivéssemos o maior dos lucros. Agora, sem os empregos, as empresas percebem que as pessoas são importantes, nem que seja para continuar consumindo. Muito marxista para o seu gosto? Pergunte a dez economistas o livro que eles estão na cabeceira para entender essa crise? Com certeza os dez responderão o Capital de Marx. A valorização do ser humano passa pelo tratamento pela forma como nos damos. Não quero cair no rumo do sermão, mas se incluirmos a forma nas nossas metas de vida nos daríamos muito melhor do que estamos indo hoje.

domingo, 5 de abril de 2009

Chiclete com Banana.

Não meus amigos. Não me rendi ao Axé. Essa bandeira eu vou carregar sempre. Não gosto mesmo e pronto! Além de outras coisas produzidas com um péssimo hálito que faz o ar já bastante pesado ficar putrefato. Mas vamos á mais essa. Semana de primeiro de abril passou. E não me recordo de ver tantas matérias nos meios de comunicação sobre a mentira. Matérias de todos os calibres em meios de comunicação sérios e outros nem tanto. Reviraram a história da mentira. Confesso que não sei se é mesmo verdade. Contaram mentiras cabeludas e descabidas nos microfones das estações de rádio de norte a sul do país. Chamaram psicólogos pra interpretar por que as pessoas mentem. Quando mentem e pra quem mentem. Fizeram as escabrosas pegadinhas com políticos na TV, para que finalmente os flagrássemos em mentiras em cadeia nacional. Nada de novo até então, correto? Sim, os jornalistas viram sem dúvida nenhuma o genial filme “A montanha dos sete abutres” e o aplicaram direitinho em suas explanações sobre a mentira. Convidaram a audiência a compartilhar suas mentiras e dizer por que e quando isso ocorria. Por causa disso lembrei-me de um dos golpes que sofri certa vez. Há alguns bons 20 anos atrás ouvia as pessoas dizerem nas ruas que havia uma banda nova por ai. Vinda da Bahia estava revolucionando o mundo da musica brasileira. Fiquei muito empolgado com a novidade e fui atrás pra saber mais. Como a internet nem existia, fui atrás das emissoras de rádio procurar a tal novidade. A emissora em que ouvia constantemente, a finada e saudosa Rádio Terra em BH, não tocava a tal banda vinda da Bahia. A programação continuava a mesma. Os melhores do gênero rock e blues. Talvez o programador não houvesse recebido o disco de vinil que era entregue pessoalmente pelo pessoal da gravadora semanalmente. Ou talvez houvesse um motivo não explanado para os ouvintes. Mas certamente a Terra não ficaria de fora. E se fossem bons mesmo, a emissora apoiaria um show dos caras na capital das Minas. Finalmente achei o nome da banda; Chiclete com Banana. Ainda sem ouvir a música que eles faziam pensei: deve ser algo genial! Claro que eu conhecia a música Chiclete com Banana. Um samba rock que dizia que se misturaria à música americana se encontrasse contrapartida na terra do Tio Sam. Fiquei mais ávido ainda. Talvez estivéssemos nos rendendo a Wilson Simonal, Jorge Bem (bem antes do Bem Jor). Talvez estivéssemos reverenciando Tim Maia mais uma vez e teríamos algo novo, original, genial, fantástico e realmente com uma pegada de brasilidade que esses três ai conseguiram dar. Teríamos a continuidade de uma coisa muito boa no Brasil. Finalmente! Você pode imaginar o tamanho da minha decepção quando ouvi do que se tratava né? Me senti enganado,roubado, ludibriado, usurpado e passado pra trás. Tal qual nossos empregados no Congresso Nacional fazem conosco. Um ultraje sem fim! Roubaram de mim um desejo. Um sonho. Uma vontade de ver algo bom sendo produzido num lugar improvável. Se bem que a Bahia já foi berço de coisas muito fundamentais pra nossa vida. João, Caetano, Gil. Os já nem tão mais novos Novos Baianos, além do genial Glauber Rocha e suas inúmeras idéias na cabeça. E outros tantos nas mais variadas formas da arte. O pior de tudo é que ainda andam por ai, sem honrar seus antecessores. Engraçado como uma mentira de um passado tão remoto pode ainda estar tão presente na minha vida. Deve ser por que andam contando-a todo ano. E pior, não contam somente no dia primeiro de abril. E fazem questão de todo mundo ouvir.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

A terceira margem do rio.

Sempre gostei desse título. É uma frase que remete a um lugar que não sabemos onde fica exatamente, mas sabemos bem onde encontramos. É mais ou menos por ali, entre a esquerda e a direita. Aquele pequeno lugar onde encontramos a calma dos nossos corações. Essa terceira visão implica em profundos desencontros da dicotomia a que estamos acostumados. Sempre dispostos aqui ou ali e isso implica em que tenhamos que estar contra a posição contrária da qual tomamos. Muito superficial pra minha pequena cachola. Nesses meus tempos de pampas muitas coisas aconteceram. Como a vida é uma caixinha de surpresas, e parece que a minha ainda vem com aqueles embrulhos enormes com laços de fita, surpresas foi o que não faltou aqui. Sempre uma atrás da outra. Claro que não era isso que tinha desenhado para mim. Quando cheguei pensei em estar mais tempo por aqui. Depois de uns dois invernos em Gramado, ou dois verões em Torres me sentiria pronto pra voltar à capital mundial do Galo (parafraseando Milton Neves). Mas o Mineirão me terá mais cedo que podíamos imaginar. Viver aqui tem sido muito bom, apesar ou por causa das agruras. Algumas coisas compensam as outras. Encontrei pessoas muito interessantes e pessoas nem tanto. Umas que merecem espaço no meu coração para muito tempo. Outras nem tempo. Voltando à dicotomia, vi que aqui, no lugar mais dual em que estive que encontrar o caminho do meio é o caminho. Pra se ter uma pequena idéia, fui inquirido por diversas vezes se eu era tricolor ou colorado aqui no sul. “Pois onde já se viu? Você tem que escolher entre um e outro”. Sem titubear e com o peito cheio de orgulho respondia que sou atleticano. Aqui tudo é GreNal ou CaJu. Ou tricolor ou colorado. Ou Caxias ou Juventude. Ou norte ou sul. Italiano ou alemão. Você está ou não. Ou melhor, tu estás ou não. O que trás uma luz interessante nessa história, pois, sempre há uma posição para se tomar. Sempre há uma opinião para dar. Mas sempre a favor ou contra. Nada além. O que me fazia pensar que sempre há mais que isso. O mundo caminhou muito desde a década de oitenta. As dualidades ficaram por lá. O mundo é muito mais complexo que ser ou não. Hoje o mundo está. E nunca mais será.
Imagine essa. No meio das crises se descobre como se podem encontrar caminhos mais delicados e perenes que o simples ato do tentar apagar de incêndios imediatos. Perceber que quando no meio do abandono é que sentimos quanto nós precisamos querer bem as pessoas e não somente sermos queridos. Perceber que ao invés de esperar ser recebido por alguém da terra, receber esse como se a terra fosse sua. Bem Roseano isso não? Como todo bom mineiro, Guimarães Rosa soube como ninguém encontrar o grande sertão nas maiores capitais do mundo. E foi aqui que descobri que ser dicotômico nada mais é que simplesmente ligar a letra A à B e se contentar com esse simples e primeiro sentido. Mas existe muita coisa no meio desse caminho, e por vezes, ao invés de se contentar com o óbvio déssemos uma pequena olhada ao nosso redor? Penso que isso nada mais é uma forma de reaprender a olhar o mundo.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Saudades prematuras

Claro que sou adepto às facilidades da tecnologia dos tempos de hoje. Claro que gosto que gosto das facilidades da vida moderna. Notebooks, Blue Ray, GPS (como eu preciso de um aqui em Porto Alegre), e outras coisinhas que nos enchem cada vez mais de facilidade. Aliás, vale um parêntese; (todas essas coisinhas da tecnologia vêm solucionar os problemas que você não tinha antes delas). Não se trata de saudosismo barato, mas sinto falta de umas coisas que são bem caras para mim. As relações humanas estão cada vez mais frias, mais distantes, ou por estar aqui no sul, e por não pertencer a esse povo, sinto as coisas tão distantes? Em coisas básicas, simples, do quotidiano, percebo um vazio nas relações que chegam a ser tocantes. Uma das coisas que mais gosto de fazer é cortar o cabelo. Não que meu cabelinho precise de grandes cuidados, ou que tenha paixão por uma cabeleireira. Mas quando ia ao salão, ou melhor, à velha barbearia no bairro floresta em Belo Horizonte, onde esperava por 40 minutos para ser atendido cuidadosamente pelo “Seu” Antônio, entrava em contato com uma espécie de mundo que já não existe mais. Ali eu ouvia os casos de pescarias mais mentirosos e deliciosos que me lembro. Os três barbeiros se riam cada vez mais um do outro. E um corte de cabelos não era menor que 45 minutos por causa das pausas para as risadas ou desaforos corteses entre eles. Era um ponto de encontro de todos os personagens do bairro. Do vendedor de jogo de bicho, dos malandros de plantão, dos vizinhos do comércio ao lado, enfim toda sorte de pessoas que formavam aquela vizinhança conhecida por cada um que ali habitava. Sempre se sabia da saúde da esposa de um, de como ia o meu novo trabalho, por onde andavam meus amigos que não tinham ido cortar o cabelo na época de sempre. Sinto saudades irremediáveis desse meu passado. É um pouco cedo para uma pessoa de pouca idade como eu sentir saudades assim. Mas será que os tempos estão rápidos demais e com isso estamos antecipando as saudades futuras? Estava lendo uma entrevista do Maurício de Souza, pai da dentuça Mônica dos quadrinhos, onde ele justificava a criação da Mônica Jovem por que a infância tem terminado mais cedo. E ele tem toda razão. Isso é um caminho sem volta. Se acelerarmos esse processo, iremos impactar toda a cadeia que vem na seqüência. Teremos adolescentes mais cedo, adultos mais jovens e idosos também com pouca idade? Será que alguma dessas fases será mais longa para compensar outra que fora curta demais? Se isso acontecer essa saudade do passado recente será sempre mais presente. Mas será que daremos tempo de maturação correta de cada uma dessas fases? Será que teremos adultos na idade de ser adulto? “Seu” Antônio já se foi há algum tempo. Sinto falta mesmo é daqueles sábados pela manhã em que gastava quase duas horas dando boas risadas, comentando sobre a polêmica dos jogos de futebol de domingo. E ali havia uma intimidade que fora conquistada sem muito custo.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Não sou quem me navega...

A vida é assim. Sempre. Uma surpresa atrás da outra. E penso que aí está a graça. O encanto do viver está nessas surpresas. Isso não quer dizer que a cada dia que saímos da cama encontraremos um cenário novo, uma vida nova a nossa espera. Não é isso. Temos vivido sempre nos furtando das novidades, das coisas que saem do rumo, dos trilhos. Programando nossa data de casar e ter filhos. Trabalhar em tal lugar, viajar para tal destino. Conhecer uma pessoa que caiba nos seus planos e assim ir levando nossa vidinha programada sem surpresas. Mas ai, um dia, o sol nasce do lado errado da sua cama e você é pego de calças curtas. Passamos a vida inteira, ou pelo menos a parte dela antes que as surpresas que mudem nossos planos, tentando evitar essas grandes guinadas. Penso que a graça da vida está em saber viver esses momentos de surpresas. E não digo somente diretamente boas, as que não parecem boas a curto prazo também. Claro que fazemos planos. E assim tem que ser. Os planos ocupam a concretude dos nossos sonhos e desejos. Planejar é a primeira etapa de fazer com que esses sonhos saiam da fase onírica e venham para a vida. Planejar faz bem, mas viver somente do planejado é sem graça. E como nós xingamos quando a nossa vidinha sem graça sai dos trilhos! Como achamos tudo uma droga e que nada dá certo pra gente! Tudo bem, até aceitamos alguma surpresinha ou outra na vida, mas nada que faça a gente sair do prumo, correto? A não ser que seja uma surpresa melhor que nosso plano. Aí sim, damos graças e pensamos como somos abençoados. Os mais egocêntricos ainda dirão: como sou foda! Se não fosse meu plano, isso não estaria acontecendo agora. E quando estoura essa mudança, invariavelmente não estamos preparados. Isso é uma grande verdade. Acostumamos-nos com nossa zona de conforto e vamos navegando ali até sermos sacudidos por uma onda. Pode ser que surja no meio dessa jornada uma tempestade, mas você não se preparou pra ela. Também pudera. Não dá pra ser neurótico e ficar desenhando todos os cenários possíveis. Mas dá pra se pensar em uma coisa, nos adaptarmos. Aceitar o que a vida nos dá de presente. Tirar o melhor dessas mudanças e viver a plenitude disso. A grande diferença em sofrer ou não está em tirarmos o que de melhor pudermos de cada pedacinho desse rio tortuoso, cheio de curvas, corredeiras, cachoeiras, remansos também pra que cheguemos ao mar melhores que quando embarcamos nessa viagem.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Sou do mundo, sou Minas Gerais II

Essa coisa de procurar definições e rótulos pra tudo é mesmo um saco! O que eu escrevo aqui? Sempre fiz questão de chamar de “textos”. Não são crônicas do cotidiano, não são prosas. Algumas vezes ensaio um conto poético e em outras um poema sem estrofes. Mas não quero saber de rótulos. Quero continuar a escrever assim, com o coração nas pontas dos dedos. Sem me preocupar muito com o nome disso ou daquilo. Por isso mesmo me preservo a escrever coisas mais perenes que a volta de um ou ida de outro. Sorte e felicidade pra todos. Mas prefiro discutir mais a essência do homem que outra coisa.
Por isso, nesses tempos de modernidade sem fronteiras, ando rejeitando uns rótulos ou definições. Primeiramente um aparte a respeito da modernidade que vale à pena ressaltar. Modernidade sem fronteiras por que a modernidade não é tão moderna assim, ela tem mais ou menos uns duzentos anos. Ser moderno ta ficando velho, mas na falta de uma definição melhor vamos usando esse mesmo. Já ofereceram uns nomes meio repaginados, mas sempre preso ao mesmo conceito. Deve ser por isso que não mudamos o nome. Por que o conceito ainda é o da revolução industrial.
Mas voltando às pechas. Um dos rótulos que rejeito é o tal de cidadão do mundo. Coisa de gente moderninha isso né? Ou melhor, pós-moderna. Saí sim de trás das minhas montanhas. Sai pra ver o que o mundo tem além do horizonte recortado. Mas levo comigo sempre a minha essência. O meu tempero de ferro está no meu sangue. Quanto mais viajo, quanto mais percebo o mundo, pois, não é necessário esquecer as suas origens e negar de onde veio para se enxergar o mundo, mas ao contrário. O lugar de onde você veio dá o tom que você interpreta o mundo. Percebemos o mundo a nossa volta do nosso ponto do de vista. Sobre o nosso olhar. Do que somos feitos e moldados. Então, para mim, não existe essa de cidadão do mundo. Eu vejo o mundo sim, sem preconceitos, de braços abertos. Mas isso graças ao minério que corre nas minhas veias. Sou do mundo, sou Minas Gerais.

sábado, 7 de março de 2009

Mais o herói que nós mesmos.

Todas as vezes que desço da minha caverna para ver a cidade me espanto. Sinto-me renovado com minha perplexidade. Não sei se é por que essa terra não é a minha, mas continuo, apesar desse tempo passado, a olhar os pampas com olhar estrangeiro. Talvez seja isso, não me sinto parte daqui. Isso me traz algumas vantagens e muitas desvantagens. Mas o certo é que continuo a me encantar pelo cotidiano. Aqui no sul vive-se muito cada uma das estações do ano. Verão é época de felicidade. Quando o seu fim se aproxima, uma estranha nostalgia começa a contaminar as ruas. Uma espécie de saudade do que será visto somente ao final de um ano. Parece até que as águas de março inspiram a despedida nas pessoas que mostram ainda suas cores. As mulheres suas curvas, os homens suas marcas. E assim essa vitrine de quem brilha mais vai sendo recheada de tempos gastos em aeroportos, embaixadas, passeios nas praias do sul e do norte envolto às bolhas de espumantes do meio da tarde. Soa meio fútil? Bom, vocês deveriam ter presenciado as conversas de que eu fui testemunha. Mas um único elemento está presente em todas essas memórias, sejam do norte ou do sul. Do sol ou da neve. Vi-me perguntando, quando numa resistência quase heróica, tentava vencer o burburinho da calçada de sábado à tarde. O que se esconde atrás das lentes opacas, brilhantes, de cintilantes espelhos, envoltas nas grandes armações que nos emolduram a cara? O que esconde o olhar por de trás dessas máscaras. Parece que o carnaval veneziano desembarcou aqui e esqueceu-se de ir. As pessoas e suas máscaras, cada um vestindo seu personagem, escondem a sua alma, ao mesmo tempo em que essa nova forma assume seu lugar. E assim vamos nos escondendo atrás dessas grossas lentes vedando a janela da alma. Sim, eu acredito que os olhos dizem mais do que podemos encontrar nas palavras. Quando nos fechamos assim o que queremos dizer? Ao invés de um silêncio dos olhos percebo um eco retumbante sem resposta para a pergunta sem fim: Que alma tem aí? Que brilho tem essa vida ai por detrás? Ao invés da reposta, salta aos olhos um sentimento blasé, sem maior importância, com uma preguiça colossal do mundo à sua cerca. Cada uma das vezes que isso acontece vejo uma falta de oportunidade do que há de mais fantástico na humanidade; os encontros. Perdem-se oportunidades raras e valiosas quando vendamos nossos olhos ao outro e ao mundo. Ao nos escondermos por trás dessas lentes nos transformando em personagens heróicos que desenhamos na nossa cabecinha e deixamos pra trás a beleza ordinária da vida diária. Pra que? Pra viver de fantasia. Na verdade o mundo perde a oportunidade de testemunhar o quanto é belo e real o arrepio quando os olhares se cruzam.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Déja Vu

Déja Vu. Sempre me ocorre quando acordo pela manhã. Sinto como se o dia de ontem não tivesse acabado. Nesses tempos novos, se é que podemos dizer que assim o são, tenho mais clara essa sensação. Os mesmos carnavais, Luiza Brunet continua sendo madrinha de bateria depois de mais de 15 anos. Mais do que um fato a ser ovacionado pela beleza e bela forma da jovem senhora, isso mostra a nossa pequena capacidade de nos re-invertamos. Os velhos heróis, são desenterrados como numa exumação de almas velhas numa tentativa desesperada de um fôlego a mais para esses moribundos. As piadas sobre a situação econômica, sobre a roubalheira dos políticos, continuam as mesmas. Aliás, eles continuam os mesmos. No nosso país, nós mesmos continuamos nos repetindo buscando incessantemente no passado algo que nos reconstrua de maneira diferente. Não procuramos re-inventar o país, estamos ainda tentando descobrir o que acontece conosco há dez anos. E essa sensação de repetição nos prolonga o sentimento de familiaridade que temos com o passado e nos prende a ele como âncora sem revés. Quando digo assim pode parecer que somos um povo de brava memória e longas lembranças. Lembranças dos nossos grandes heróis, das nossas grandes marcas ou até dos nossos grandes fracassos como povo. Nada disso. Se assim fosse, lembraríamos de Darcy Ribeiro que nos deixou a lição que nós brasileiros precisamos descobrir o Brasil e depois, somente depois inventá-lo, para mais tarde reinventá-lo. Esse modelo que temos aí não é nosso, é emprestado. Importado. Made In o país da moda.
Com esses tempos dessa nova crise tenho me lembrado das duas em que vivi. Nasci no meio da primeira. 1973 a grande crise do petróleo que abalou o mundo inteiro, mudando para sempre o american way of life. Mudando? Os grandes rabos-de-peixe foram somente substituídos pelas grandes SUV’s de hoje. Bom, mas vi a crise de 80. No Brasil, vários planos cruzando pra lá e pra cá. Zeros caiam como milagrosos ministros da economia. Pareciam que eram nascidos das jaboticabeiras. Foi a década perdida, diziam alguns que surgiram na prosperidade dos 90. Então por que estamos a recuperando agora? As mesmas músicas, os mesmos ídolos. Temos até uma crise para nos deixar mais em casa! Mais uma vez, nos repetimos em modelos passados. Já que estamos em 90, continuemos. Parecia que dessa vez seriamos novos, realmente novos. Tecnologia nova, internet e computadores e mais uma vez nos repetimos. As mesmas doenças nas relações humanas. E pra variar, mais uma crise econômica. To meio cansado disso. Esses senhores controladores do mundo somente observam o passado e tentam fazer igual. Eles estão de parabéns. E nós também. Seguimos como um bando sonolento de carneirinhos a beira do precipício por não percebermos o mundo a nossa volta. Repetimos-nos da mesma maneira em que fizemos ontem, no ano passado, na década passada e na outra. Estamos sempre na mesma estrada e sem saber que estamos andando em círculos. Platão no seu mito da caverna dizia que nós vivemos da sombra e a verdadeira realidade está lá fora. Fora da caverna. Basta olharmos diferente para o mundo a nossa volta. Afinal não precisamos de nenhum esforço heróico e demasiadamente humano como dizia meu querido Nietzsche. Não precisamos inventar uma nova forma de apagar o que está ai para que criemos do zero algo realmente novo. Se somente olharmos o mundo de forma diferente já o teremos re-inventado de uma forma única, sem antes jamais visto.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Tela branca.

Gostaria que re-começo fosse uma tela em branco, virgem, sem nunca ter sido tocada. Queria que re-começo fosse de peito aberto, franco, sem medo de se atirar no escuro. Escuro? Quem começa essa caminhada não sabe o que é escuro, simplesmente vai. Quem recomeça carrega na água da aquarela para que as cores não choquem mais. Quero um re-começo com cheiro do novo, sem reservas, se possível. Impossível? Não! Levar a vida assim cheia de soslaios é que dói. Não quero que as experiências anteriores se apaguem. Elas fazem parte mim, como minhas cicatrizes. Elas irão comigo onde eu for. Tenho orgulho delas. Faz parte do ser de hoje. Amanhã serão outras, que se somarão a essas até a linha de chegada. Como dizia aquela velha canção inglesa: Viva e deixe morrer. Afinal o que é a vida sem alguns arranhões? Começar como uma tela em branco não é opção, terminar sim. Prefiro a minha com as rasuras a devolver sem nada escrito. Afinal, existe melhor escola que os erros? Querer apagá-los é o pior possível.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

O futuro e o amor.

Essa coisa de controle do tempo é bem recorrente na mente humana. Desde que o homem conseguiu essa sua capacidade de abstração ele segue pensando numa maneira de controlar as questões que o cercam, sejam mais ou menos abstratas. Não importa o homem sempre procura controlar essas questões. O tempo é uma delas. Primeiro conseguiu um jeito de mensurar o valor do tempo. Já se perguntaram que tempo é esse que existe dentro de uma hora? Por que a hora tem lá seus sessenta minutos? Com certeza algum de vocês assistiu um documentário no Discovery que põe a lupa no tema. Mas vamos lá. Vamos além. Tentamos viajar no tempo. Como não conseguimos estar presentes em vários lugares no mesmo tempo, dizemos que viajar no tempo e no espaço já pode ser considerado por causa das telecomunicações. Ou então, que a viagem no tempo se dá através de uma terceira dimensão, que não temos ainda a capacidade de abstração nem técnica pra isso. Meras desculpas pela falta de humildade do homem em admitir que não controlamos nem entendemos tudo a nossa volta.
O controle sobre o presente, o passado e o futuro fazem parte do imaginário do homem moderno. E quanto mais pós-moderno, mais presente. Aliás, mais passado, mais futuro. Afinal de contas, precisamos de tempo para trabalhar, malhar, sair com os amigos, ficar com a família, com a esposa, enfim, muita coisa; pouco tempo. Penso que essa vontade de sermos vários unos em diversos lugares em tempos distintos é dada pela impotência de não conseguirmos ser e ter tudo o que queremos. Claro que essa necessidade latente do homem é alimentada por um sentimento de vazio existencial que não o permite viver outras etapas da vida. Pra citar como exemplo, Camus, no seu A Peste, descreve a essência do homem. Nunca vi nada tão assertivo. Pra ele, o bicho homem é a idéia. O homem é um ser de idéia. E de idéia curta sem amor. Ou seja, visão limitada. Sem alcance. Mas o mais interessante é o alimento do amor. Ele descreve o alimento que transforma esse homem em um ser de idéia. E se me permitem a pretensão, concordo em gênero, número e grau com ele. O amor se alimenta de futuro. O amor se alimenta de planos pro futuro. O amor, pode-se assim dizer, se alimenta de esperança. O amor de homem e mulher, esse mais simples de entendermos, é assim constantemente. Quando se ama, se projeta o futuro com a amada. Como estaremos quando tivermos nossos filhos, quando tivermos nossos netos, nossa casa. Tudo isso serve de alimento pro amor. Falando do nosso amor por nós mesmo, que é um pouquinho mais delicado de entender. Quando fazemos projetos para o futuro, independente de com quem estaremos, mas por nós mesmo, estamos alimentando esse amor próprio. Isso nos nutre, nos faz caminhar, nos faz ver além do muro que cerca nossos olhos. Camus conseguiu colocar em palavras. Sam Mendes com imagens. No filme Foi apenas um sonho percebemos como o amor é alimento para nós e nós para o amor. Num ritual antropofágico onde quem alimenta é alimentado. Em troca a vida caminha a passos lentos ou curtos. Depende do tamanho do futuro que você projeta. Pode parecer abstrato demais em certo sentido, mas nada mais é do que o famoso conselho de nossas avós: é dando que se recebe. Leiam o livro, vejam o filme e plantem uma árvore.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Uma das equações.

Uma das equações.
Uma das coisas que me gabo de ter são amigos. Eu tenho os melhores amigos que uma pessoa pode ter. Se você está lendo esse blog deve ser um deles, pois audiência aqui é feita por vocês e mais ninguém. Mas como todos aqui nessa terra, tenho alguns desafetos pela humanidade a fora. Alguns que andam por aqui, e outros que não mais. Foram escolhidos pelas suas idéias que divergem das minhas. Meio arrogante da minha parte? Sim, pode ser. Afinal de contas são pessoas importantes que nem sabem da minha existência. Por exemplo, Woody Allen. Esse cara só fez uma coisa certa na vida, aproveitar sua fama pra ovacionar o grande Ingmar Bergman. Descartes. Esse sujeito com sua mania de mensurar tudo virou sinônimo de exatidão. Só esqueceram-se de contar pra ele que de exata a vida tem pouca coisa. Então que ele fique na sua esfera e não venha com sua matemática mensurar o tamanho dos sentimentos. Existem outros, mas me atenho a esses dois que me inspiraram nesse tema. Não é por que eu não goste deles que não possa admirá-los, certo? Umas das questões que me assombram há muito tempo é sobre os encontros e desencontros das pessoas. Existem tantas coisas que nos fazem nos aproximar e tantas outras que nos afastam que é difícil ficar impassível frente a essas forças de atração e repulsão. Mas gostaria de dividir com você quanto nós exigimos de nós mesmos para sermos o que o outro deseja, e em contra-partida quanto nós esperamos do outro para que se encaixem nos nossos planos. Imaginem o que uma mulher precisa ter, ou ser para agradar alguém: ela precisa ser bonita, por que senão ela não tem chance frente as suas concorrentes, gostosa – o sex apeel é fundamental, charmosa, sem esse requisito os outros dois perdem a importância, inteligente, com bom futuro profissional, bom humor, ter bom gosto, ou pelos menos os gostos parecidos com os seus, gostar dos seus amigos na mesma medida em que eles gostem dela. Que tenha tido uma vida com outras pessoas sim, afinal não queremos uma amadora de primeira viagem, mas que esses relacionamentos não mais interfiram na sua vida e, por conseqüência não os afete. Ter idade próxima a sua, ou que possam construir uma vida juntos. Além dessas poucas coisas, ela precisa estar apaixonada por você e você por ela. Com relação aos homens elas pedem que nós sejamos isso tudo ai em cima além estarmos sempre prontos para o sexo, que adivinhemos seus períodos e que saibamos quando ou não querem conversar. Ser seguro é como o charme para as mulheres, sem a segurança, sem chance. Homem não pode nunca ser frágil. A intenção não é causar polêmica, mas quando percebi que tudo isso eu procurava numa mulher e as mulheres procuram essas, e outras tantas, em nós, descobri como é ingrata essa procura pelo par ideal, pelo amor perfeito, pela figura da sua vida. Talvez se fôssemos mais simples, menos exigentes e déssemos mais que pedimos encontraríamos o calor que nossos corações perderam ao sair pra vida. Precisamos ajudar o destino, dar uma forcinha para os cupidos, facilitar a vida de quem nos quer bem e o mais importante reconhecer, saber que chegou onde queria. Por favor, não me perguntem quais são esses sinais. Se quiserem, perguntem a Descartes, ele deve saber quais os componentes dessa equação. Ou ao catártico cineasta acima citado, que pensa que discorre tão bem sobre os conflitos humanos. Depois me contem. O certo não é exigir X ou Y da figura querida, mas confiar nos sinais que tocam fundo o coração. Aí sim, teremos a possibilidade de encontrarmos essa pessoa. Ou essas. Quem disse que tem que ser somente uma?

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Não gosto mais das luzes da cidade.

Não gosto mais das luzes da cidade, da frieza do concreto, da solidão do LCD, da crueza dos caixas 24 horas. Tenho saudade do bom dia, do como vai tudo bem? Do “já vou mamãe, sim senhor papai”. Nada contra a tecnologia, nada contra as invenções da modernidade, nada contra os dez anos a mil, mas se o beijo é digital, como faço pra sentir seus lábios? Tenho saudade do cheiro da manga no pé, de jabuticaba no litro, do sapateiro da esquina, do amigo pra todas as horas, do vestido de chita e do olhar da moça, sem pretensão. Será?

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Para Drummond e Vinícius

As tardes de chuva são tão feitas para ler poesia, como as de sábado são para o samba. E quem se perguntar do por quê, merece menos sábados e mais secura.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Coração Machucado

O grande e genial Paulinho da Viola escreveu um dos melhores chorinhos que já ouvi:

“O quê que pode fazer
Um coração machucado
Senão cair no chorinho
Bater devagarinho pra não ser notado
E depois de ter chorado
Retirar de mansinho
De todo amor o espinho
Profundamente deixado”

Essa história de corações machucados ultrapassa a linha do tempo da humanidade. Todas as pessoas que conheço e, as que não conheço, já passaram pela dor de cotovelo. A dor de amor é a dor que mais une as pessoas nesse sentimento. Quando quebramos o pé, torcemos o braço, temos um ataque cardíaco, entramos em trabalho de parto, a dor é diferente de um pro outro. Temos noção do seja, mas não sabemos como é sua intensidade. Cada um sente de um jeito. Mas quando falamos que estamos sofrendo por causa de alguém, ah meus caros, sabemos exatamente como essa pessoa se sente. Por isso digo que essa dor nos une. Não por solidariedade, mas por que entendemos exatamente como e onde e o quanto dói.
Sabiam que guerras foram travadas entre nações inteiras por causa do amor? Às vezes penso se Eva Brown tivesse dado um pé na bunda do Hitler, haveria mesmo aquela guerra? Ela poderia ter dito: olha Adolf, ou você tira essa merda de bigodinho ou termino com você. Com certeza ele mandaria matá-la, mas morreria de remorso depois e nem pensaria nos judeus. Ele não teria a quem impressionar, certamente.
Esquecendo as especulações. Existem todos os tipos de receitas para dor do amor. Mas só quem sente sabe a hora certa de se curar. Como a música ai acima, inúmeras delas foram criadas, e continuarão sendo com o tema. Umas com profundidade que o sentimento merece, outras com ar de deboche, outras até criando heróis corneados. Por falar em herói, um dos maiores que conheço é Romeu, que morreu por amor. Existe abnegação maior que essa? Morrer por um reino, por dinheiro, por poder, por qualquer coisa mais concreta é justificável e mais palatável. Mas morrer por amor é muito abstrato pra nós. E se Julieta se cansasse da vidinha de casada com Romeu e mandasse-o passear? Teria valido o risco daquela briga toda com a família dele e dela? Mas ele nem quis saber. Foi lá, de peito aberto e mandou ver no veneno. Cabra-macho esse menino! Nem Alexandre, O Grande, teria realizado tal feito.
Acabei de ler um livro chamado Amor. Trata-se de pílulas de textos dos maiores pensadores da história da humanidade sobre o tema. Algumas receitas, conselhos do que fazer e não fazer com relação ao mundo do amor. Nem eles conseguem dar receita pra isso. Estão lá as desilusões de Nietzsche, Schopenhauer, Kant, Ovídio, Platão entre outros. Isso os aproxima de nós, meros mortais, fazendo-os mais humanos e demonstrando que essas questões fazem parte da vida de todos. Basta ser humano.
Certo mesmo é deixar o tempo agir. Ele sabe tudo. Às vezes age rápido, outras nem tanto. Mas a dor dura o que tem que durar. Da mesma maneira, quando quebramos um osso. Trinta dias de gesso. Não existe remédio que acelere o tratamento. A medicina evoluiu, cresceu, mas o tempo ainda é o único remédio pra muita coisa nessa vida.
Pra terminar, um fragmento de um texto da também genial e fantástica Clarisse Lispector.

“Mergulhe fundo como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender.
Viver ultrapassa qualquer entendimento”.

PS. Não consegui colocar o Video da Musica do Paulinho. Mas segue o link do Youtube abaixo. Quem souber, dá um help ai, Please.

http://www.youtube.com/watch?v=KGj-KW0be9k