sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A menina que roubou o assalto.

Paulinha era daquelas que costumamos chamar de lindinhas. Com belas formas e muito charme naqueles metro e cinqüenta e poucos. Tipinho mingon. Como podia caber tanto ali? Como a maioria desses bibelôs, ela era meio sem jeito pra algumas coisas, meio distraída com outras e por causa desse jeitinho assim meio displicente ela ficava ainda mais charmosa. Afinal, me perdoe Vinicius, mas charme é mais fundamental que beleza.
Num dia desses de virada de tempo, quando amanhece e dizemos com absoluta certeza que a menina do tempo está errada e não vai chover hoje, ela, como não podia deixar de ser, teimou e foi apanhada por um temporal ao voltar da escola. Como naquele tempo toda colegial vestia sainha azul marinho plissada com tamanho no meio das coxas e uma blusinha fininha de cor branca, podem imaginar o que aconteceu. Ela saiu correndo para não ser pega pela chuva, mas não adiantou. Chegou ao ponto de ônibus ensopada. Preocupada com seu estado ela logo providenciou os cadernos na frente do peito. Só depois de um breve tempo ela percebeu que ali estava um amigo. Sorte, ou não, por que ser vista assim daquele jeito podia causar uns comentários na escola. Mas não quis pensar nisso àquela hora, preferiu pedir ao amigo que lhe emprestasse uns trocados para o ônibus. Ele dizia ríspido pra ela: - Paula! Não. Vá embora daqui! Ela sem entender nada insistia em pedir ajuda ao amigo. Esqueceu-se da blusa branca molhada e começou a sapatear implorando por ajuda. Ali, com seu amigo uma companhia estranha. Nunca tinha visto o tal que o acompanhava. O companheiro que estava com o seu amigo parou e olhou aquela cena. Percorreu os olhos pelo corpo bem delineado e molhado da menina, mas não quis dar muita atenção. Mandou-o dar logo o passe para o ônibus. E o amigo insistia para que ela fosse embora. Ela não entendia por que tanta estupidez. Afinal de contas no mínimo uma visão privilegiada ele tinha quase que somente para ele. Eram amigos acima de tudo.
Enquanto o outro ordenava para dar o passe ele deu mais atenção à transparência da blusa da menina. Tirou a arma das costas do amigo dela, a escondeu nas suas e começou a conversar com ela todo insinuante. Isso mesmo, a pequena tinha se metido num assalto! Ela, sem graça não sabia se pela blusa, por ter interrompido uma situação tão importante, ou pelo medo que estava, começou a se afastar. Mas não podia se afastar muito, por que ela não queria que ele percebesse que ela vira a faca. Então resolveu tratar assunto com normalidade, mas com a devida distância. Pensou em se abraçar ao amigo, mas ficou com medo de colocá-lo numa situação mais complicada ainda. Pensou em sair dali correndo, mas não podia arriscar o amigo deixando-o ali. Poderia ser pior ainda. Então, meio que paralisada pelo predador ela ficou inerte, quase sem ação, somente respondendo suas perguntas monossilabicamente. Observando as atitudes do amigo ela percebeu que ele iria tramar algo. Resolveu começar a distrair o bandido. Nesse exato momento o amigo começou a pensar. Pensava em dar uma de herói, partir pra cima do bandido e ficar com a mocinha. Ele iria ser o assunto da escola por muito tempo. Mas se fosse só pra ficar com a Paulinha ele podia posar de vitima, ela teria pena dele e cuidaria dele por muito tempo. Despertando nela o instinto maternal. Era uma saída. Enquanto isso ele não agia e chuva insistia em cair. Aquele cenário começou a piorar. Raios e trovões, ventos fortes e chuva aumentando. Pensando que a coisa não poderia piorar, a água começou a subir a calçada bem na frente deles. Sair dali não seria fácil. O bueiro na frente deles começou a transbordar e voltar toda água que escorria.
Lembram-se do Titãs na década 80? Pois é, os bichos escrotos começaram a sair dos esgotos. Baratas para todos os lados. Os três olhando assustados para aquela cena. O assalto e os seios da mocinha ficaram em segundo plano. Pasme, o bandido começou a suar frio. Quando a primeira barata subiu o meio fio, ele não quis nem saber de chuva, blusinhas brancas e nem do dinheiro alheio. Saiu correndo gritando pela rua deixando os dois atônitos no ponto de ônibus.

domingo, 14 de setembro de 2008

Provocação!

Qual a diferença entre banheiro e toillete?

Ensaio sobre a lucidez

Ensaio sobre a lucidez
Domingo. Um dia que muita gente aguarda. Sossego, praia, férias, futebol, amigos reunidos no parque pra uma conversa ao sol que há muito não se via. Aqui ainda é inverno e o frio teima em ir. Domingo, além do futebol, é dia de cinema. Hoje me preparei para assistir Ensaio sobre a cegueira, do belíssimo texto de José Saramago. Sai do cinema e vim correndo pra casa pra escrever sobre o que vi. Li o livro e me apaixonei. Como não poderia ser diferente com os textos do Saramago. Diferente também não seria minha expectativa por um belíssimo filme. Afinal boas histórias podem se tornar bons filmes. Histórias ruins não. E estávamos falando de um projeto de Fernando Meireles. O mais americano dos cineastas brasileiros. Mas não é só por causa disso que o cara é bom. Ele é bom por que tem talento, não tem medo de cooperação e se entrega ao projeto. Além do que ser cineasta americano em inúmeras vezes é prerrogativa de compromisso com superficialidade.
Inevitável era a comparação entre filme e livro. Confesso que nos primeiros minutos de filme fique ali, pensado, poxa, faltou isso, faltou aquilo. Mas relaxei. O filme é bom por si só, não é necessário muletas. O texto é lindo. As inúmeras versões filosóficas e leituras das implicações sociais que esse tema possui já valem à pena. Mas o que importa é que o filme é daqueles que nos fazem ir pra casa pensando. O cara conseguiu mostrar na câmera como seria a visão de um cego! Não se trata de um trocadilho nem provocação barata. Mas percebe-se no filme como um cego percebe o mundo e como o mundo trata os que não possuem um dos sentidos. Aliás, a tônica do filme é bem essa. Como o mundo percebe você, como interage com você e como é percebido por ele. Sua interação com o outro, com o meio que o cerca e com suas questões morais. Afinal, foi nos tirado nesse tema, o mais básico dos sentidos. O mundo foi feito para os que vêm, andam de pé e ouvem. Se você não possuir um desses sentidos está fora do jogo. Voltando à questão criador e criatura, livro e filme. Quem é melhor? Primeiro essa coisa de mensurar tudo é uma grande bobagem. Culpa de Descartes, depois conto sobre isso. Segundo, não podemos enxergar o filme pela ótica do livro. São duas coisas muito diferentes. É tentar explicar Deus pela ciência. É tentar entender o amor pela lógica analítica cartesiana. São esferas diferentes sobre temas diferentes. O tempo do livro é diferente do cinema. No cinema o diretor dá a imagem ao que você pensa. Às vezes isso não te agrada. Normal. Você desenha seu personagem de olhos azuis. O diretor de pretos e por ai vai. O cinema é uma livre adaptação que parte de um princípio. Não é necessário que se transporte o livro literalmente para a tela. Liberdade de criação sobre o tema. Esse é o lema. Façam esse exercício quando virem um filme que veio de um livro. Percebam que o filme acresce ao livro. O livro não é uma obra em si mesmo. Ele está aberto a várias dimensões, assim como os filmes. Para mim, esse filme deu cor aos meus personagens, construiu um cenário para o hospital e deu luz a minha imaginação.
Separem o domingo para o cinema e vejam esse belo filme. Depois, se quiserem, dividam suas impressões aqui.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

As rugas do meu pai

Os grandes presentes que ganhei na vida foram conquistados, não posso dizer que foram ganhos, mas batalhados. Tenho alguns troféus. Minhas cicatrizes. Tenho orgulho delas, elas me forjaram. Sou o que sou por causa das minhas marcas. Algumas coisas, sim, eu ganhei de verdade, mas marcam com a mesma intensidade. São as minhas marcas do tempo. Quem me conhece de perto deve pensar que eu estou viajando, mas outro dia vi que meu pai me deixou um presente. Uma ruga. Meu pai me deu uma ruga, e isso me encheu de orgulho! Me fez estar mais perto dele. Fiquei feliz, por que afinal de contas, sou quase um homenzinho, como diz uma amiga paulistana. Tenho descoberto que as marcas, rugas, cicatrizes, internas e externas nos remetem a nossa história. Envelhecer é uma das coisas mágicas da vida, pena que não percebemos enquanto a vida corre. Viver com marcas, melhor ainda. Sinal que a você ela não passou incólume. A vida foi generosa. Ela te deu o tempo. Cedeu atenção a você para que você pudesse estar aqui. As marcas que ganhamos, internas ou externas ao nosso corpo e à nossa alma, ajudam-nos ser o que somos. Somos construídos cotidianamente. Querer se livrar disso é simplesmente querer deixar de viver. É viver como zumbis.

As rugas que meu pai me deixou são marcas profundas da alma. Agora, são marcas que carrego como espelho, na pele. Elas me fazer querer viver com mais intensidade, com mais profundidade. Descobrir o verdadeiro âmago das questões. Me fazem lembrar de onde vim, quais são as minhas origens e para onde eu quero ir. Também me ajudam a lembrar o que não quero. Repetir os erros do passado seria não dar valor a elas. Viver assim, com a história que construí faz parte do crescimento. Não passamos em brancas nuvens pela vida. Temos momentos felizes e outros nem tanto, mas prefiro carregar essas rugas que me saem no rosto do que viver como o astronauta que prefere estar no espaço e não envelhecer, enquanto seu irmão gêmeo aqui na terra, vive, sofre, ri, chora e morre, mas leva suas marcas assim como as deixa nos seus.

Feliz dia dos Pais.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Luz demais atrapalha

Então, cidade nova, vida nova. Depois de um ano em Brasília, minha querida Brasília vim desbravar o sul. To na terra dos gaudérios. Os grandes pampas gaúchos. Aportei por aqui numa sexta-feira nervosa. Daquelas movimentadas, trânsito, caos, buzinas. De repente me vi no meio de uma cidade. Foi aí que percebi que fazia tempo que não sabia o que era viver numa cidade. Vivi em Brasília por pouco mais de um ano. Tempo suficiente para nossas mentes cartesianas se adaptarem à lógica e à métrica da cidade planejada. Foi fácil. QRWS, Asa sul, Norte. QI 25. Dizendo assim parece que são endereços de prateleiras de bibliotecas, mas é nesses locais que moramos lá. Um dia um amigo me disse que em Brasília as pessoas não moram, são arquivadas. Verdade quer seja pelos endereços, ou pelos espaços, que são escassos numa cidade que não pode mais crescer. Mas enfim, o planalto central ficou pra trás. Agora os pampas. Meu novo desafio. A chegada em POA foi um mergulho direto no caos. Posso dizer, que ali naquele momento, passeando pelas ruas onde Quintana vira há tempos, senti uma coisa boa. Não sabia que estava com saudades daquelas cidades. Cidades com jeito de cidade, com centro da cidade, esquinas, becos, muros sujos, pixados, desordem, caos na ordem. Ah, que bom! Ganhei um pouco de escuridão no meio da minha luz. Começamos bem, eu e a cidade. Bons ventos vindos do sul.