sábado, 29 de agosto de 2009

As flores que renascem no inverno

Como diz no título, era inverno. Não era dos mais rigorosos, mas o era. Ventava, o frio teimava em vir. Decidido por vontade alheia à minha, estava na cama até mais tarde. Levanto e tomo um café forte, preto, sem açúcar para retomar as forças que me faltaram causadas pelo vinho da noite anterior. Saio de casa meio a contragosto. Mas a obrigação comigo mesmo é mais forte que a preguiça. Caminho pelas velhas ruas da vizinhança que não mudaram nem de traçado nem de forma nesses últimos trinta e tantos anos. O único fato novo são as grandes construções que tomam o lugar das antigas casas dos moradores que não dividem mais essas sombras comigo. Em poucos passos pelas ruas percebo que o sol quer vencer o frio insistente na manhã. Outros tantos à frente encontro um velho amigo. O velho amigo acostumado às minhas antigas lamurias, ouve-me com a costumeira paciência e harmonia no olhar. Coisa de amigo antigo. As palavras de projetos futuros e lembranças do passado eram recheadas pelo sol que agora vinha firme e fazia da fria manhã de agosto um dia quente e caloroso. Olhando por cima do ombro percebo o porquê do sol vingar no inverno. Vinha de passos vacilantes, de queixo erguido, uma bela mulher adornada com um vestido longo, florido, de generoso decote. Seus cabelos ruivos brilhavam com o sol. Sua pela alva refletia o brilho que ficara guardado por meses no armário do inverno. Como ela podia desafiar o inverno e espantar o frio da terra e da alma? Que petulância ela tinha, ao perturbar-me no meio do meu luto invernal! Onde já se viu uma coisa dessas? O luto terminado abrupto assim, antes da hora finda? Os poucos passos que ela me deu foram suficientes para emanar em mim, do coração gélido, o que a havia tido esquecido por anos. Não queria mais o inverno. Queria que ela fizesse luz de primavera. Queria te dar um girassol da cor do seu vestido. Queria dividir com ela em palavras e calor o que sua presença encheu na minha gélida alma. Não posso, de maneira alguma, permitir que ela se vá e leve consigo o meu calor do inverno e suas flores do vestido. E se ela ousasse não aparecer mais me deixando ao relento? Como farei sem a cor outonal dos seus olhos? Divida as flores do seu inverno comigo para aplacar em fim a solidão.

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