terça-feira, 16 de novembro de 2010

Velhas mãos

Minhas mãos são velhas. Elas avançaram bem mais que a minha tenra idade. Parece que minhas mãos foram concebidas antes de mim. Quase como um apêndice extracorpóreo. Minhas mãos carregaram o peso da idade com mais pressa do que meus olhos percebem. Quando toco sua alva pele, perco minhas mãos no meio dos seus longos e maduros cabelos e tenho a tentadora vontade de tocar com elas a verde cor dos seus olhos, entrego-lhe, além dos meus desejos expresso pelos toques das pontas doces de meus dedos, o calibre da idade que trazem as minhas rugas das mãos. Sempre tive mãos de pessoa velha. Não idosa, mas velha! Mofada, amorfa e com firmeza de quem traz do passado pensar o presente como um presente.
Quando emolduro seu corpo com minhas fortes e rugosas mãos, te presenteio com um devaneio trazido há muito, pelas inúmeras linhas que tracejam as minhas mãos, e que te trazem a tona quão grande é a presença da idade dos meus atos através das formas e do peso das minhas velhas mãos.
A velhice das minhas mãos não é de hoje, é de sempre. Foi desde cedo que ganhei essas velhas mãos rugosas. Dou-me muito bem com elas, e percebi através delas que, cada parte do construir o ser possui um tempo diferente. As partes formam o todo de forma diferente. Meus olhos vêem o mundo de maneira ainda curiosa, ruidosa e infantil. Algumas outras partes, que pena, nem crescem! É o caso de alguns corações natimortos. Mas as minhas mãos estão bem velhas e bem vivas. Vivas a ponto de colocá-las a traduzir essas palavras na folha branca em plena madrugada chuvosa. E velhas a ponto de perceber que ainda há um longo e maior caminho que elas irão percorrer.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Caixinha.

Algumas provocações nos trazem muito mais o progresso do que o simples incômodo. Fazem-nos pensar e re-pensar como e de que forma percebemos o mundo e nos colocamos frente a ele. Às vezes não são de pronto, de imediato momento que a luz se faz. O tempo, mais uma vez, se mostra mestre e sabedor da maturação do pensamento.
Foi num desses insights matutinos que percebi que havia uma provocação adormecida na minha mente e que percebi que era o tempo de tratá-la. A questão cartesiana voltava à tona. Sempre ela que me incomoda e me persegue como um cão sem dono. A questão era abnegar do fato de que as coisas da vida possuem seu lugar na forma de existir. Lutamos sempre, cotidianamente com força para encaixarmos as coisas nos seus devidos lugares. E a provocação que assumi foi, de retirar as coisas das caixinhas e deixar com que elas ocupassem seus espaços, lugares e tempos na vida. O conceito acima, “nos devidos lugares” era o tema em voga. Por que, fui indagado, uma pessoa tem ser e ser assim ou assado dessa forma sempre? Por que somos brasileiros, americanos, franceses ou uruguaios? Será que é por que somos seres humanos? E não estamos humanos? O estar seria melhor para o caso? De certo que sim. Seria a oportunidade real da negação do plano cartesiano. De que nós temos sempre nossas caixinhas prontas para nos receber e deixar nossos sentimentos ali colocados. Sempre nos lugarzinhos confortáveis em que nos acostumamos a deixá-los. Como numa gaveta de meias. Somente elas devem estar ali? Por quê? Para nos sentirmos mais confortáveis e seguros? Mas e as surpresas da vida? Vamos deixá-las de lado em função de um mero e simples modelo de conforto? As imprevisibilidades da vida são mais ricas que os confortos. (Essas comparações entre mais, menos, melhor ou pior também fazem parte do plano cartesiano, mas que será tratado mais tarde. Uma coisa de cada vez). E são essas surpresas que nos diz quem somos. Diferentemente de quando estamos no nosso mundo de conforto e aparentamos viver numa forma, perfeita e sem sombras. Por que temos que combinar as cores, as formas, as pessoas, os sentimentos e os sentidos?
Por isso me encantam os poetas. Seres de almas livres que transvestem as palavras, as formas e os sentidos e nos dão mais cores para apreciar.