terça-feira, 19 de maio de 2009

O lugar do amor platônico

Interessante essa coisa do retornar. Do voltar. O sentimento de completude, de total conhecimento se faz presente. Tudo é natural. O ritmo da cidade, das pessoas, as ruas que mudaram de mão. – Já não era sem tempo! Esse é o único sinal de estranhamento. É na nossa casa que nos refazemos. São com os nossos que tomamos força para levantar e caminhar para o mundo. O tempo aqui tem servido para isso. Além de cuidar das chagas, rever antigos amigos, perceber que os bons sentimentos não mudaram. E outros tantos ainda podem crescer. Surpresas num ambiente tão conhecido a um velho urso poderiam parecer estranhas, incomuns. Mas acontecem. Ao mesmo tempo, perceber como nos ligamos ao que nos fortalece. Ao que nos é mais natural, ao que se apresenta com naturalidade e sem mistérios. Aproveito sempre pra rever lugares e amigos e me sentir cada vez mais confortável nessa etapa. O passado fica presente através dos lugares e dos causos com as pessoas. Mas vale contar que num desses dias um pedaço interessante desses remotos tempos me veio à mente quando revi um dos meus amores platônicos da infância. Passando num dos cruzamentos aqui perto reencontrei uma das meninas a que jurei amor eterno. Aquele amor puro e intocado de criança, ou melhor, adolescente, por que essas coisas não começavam tão cedo como hoje. Ela me remeteu a todas as outras pelas quais eu sempre tive aquele amor irrealizado e mais do que tudo idealizado. Percebi que algumas coisas têm o tempo próprio e devem permanecer assim. Não que o tempo tenha sido indelicado com ela. Não é isso. Ela se transformou numa bela mulher. Mas percebo que esse amor tem o seu lugar próprio. O seu tempo. Ele continua vivo nas minhas lembranças e quero que continue assim, vivo no lugar onde nasceu e que permaneça ali sempre. Não gostaria de violá-lo. Ele tem mais valia assim, intato, puro, sem sacanagens. Remete-me ao quão puro nós éramos e quanto nós podemos ser. Pois, não mudamos muito nossa essência desde que nos descobrimos enquanto gente.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Dos doces das abelhas

Dos doces das abelhas
Uma vez me disseram, acho que foi a Juliana, que eu tinha uma maneira bem particular de olhar o mundo. O comentário foi literal, pois era uma referência a alguns ângulos que achei para fotografar as igrejas de Belo Horizonte na minha primeira e única exposição individual de fotografias. Percebi que isso se aplicava perfeitamente como fazemos nosso mundo. De como olhamos o mundo e o construímos, além de como o modificamos e por ele somos modificados. Podemos dar o tom das coisas que nos cercam. Ou seja, podemos enxergar o mundo através da janela que quisermos. Acho que a Ju tava bem certa ao dizer isso, pois coisas ordinárias que nos acontecem podem ter a cor que quisermos.
Conheci certa feita, uma bela. A primeira vista, sim bela, mas o que mais impactava na formosa figura eram seus comentários e observações acerca do que a cercava. Psicóloga que era, num dos meus comentários com umas cervejas a mais na cabeça ela não titubeou em me receitar um dos seus para dividir aquelas experiências. Enfim, me rendi. Fui parar numa linda casa no charmoso bairro Moinhos de Vento em Porto. Lá, antes de ser recebido pelo largo sorriso e saudoso abraço da Ana, encontrei alguns ferrões pra enfrentar, literalmente. É que as abelhas da casa vizinha resolveram atacar quem chegava e quem saia. Era um verdadeiro enxame. Com direito a carro de bombeiros para acalmá-las. Pensei: Ok! Vamos nessa. Se tiver que doer que doa. Mas já cheguei até aqui, não será agora que voltarei atrás. Afinal de contas a diferença entre o remédio e o veneno é o tamanho da dose. E nesse caso seria estava a beira de uma overdose! E era bem disso que precisava. Uma dose cavalar de boa terapia para achar o caminho das questões da mente, da alma e por que não do coração. E se as abelhas fizessem parte do tratamento, que fossem bem vindas. Mas ao invés disso, recebi um grande abraço e um enorme sorriso da pequena Ana. Foram alguns meses de trocas e aprendizados intensos em que me revi e redescobri a pessoa que sou hoje. Gostei muito do que vi. Apesar dos tropeços o saldo é positivo. E isso eu agradeço a Ana. Tratou das minhas vicissitudes com delicadeza e carinho. Atenção e seriedade. Mas sempre com o cuidado necessário para tratar das feridas abertas há muito e que ficaram ali escondidas e sem cuidado. Essas coisas sem o devido cuidado dão gangrena minha gente. Física e espiritual. Só mesmo uma pessoa como ela pra tratar desses assuntos como ela o fez. Foi um verdadeiro presente. Percorremos caminhos escuros e esquecidos. Os recentes, os mais lembrados, os mais profundos, os nem tanto assim. E todos com o mesmo zelo. Tinha dias que eu ficava meio preocupado com ela. Dava vontade de trocar de lugar e cuidar um pouco de quem tanto cuidava de mim. Mas como retribuir o carinho com um psicólogo? Até hoje eu não sei como fazer. Afinal, no caso da Ana, ou melhor, Aninha, (por que como disse a ela: não dá pra chamar de Ana alguém que é tão intimo assim da gente né?) tornou-se uma grande amiga. Uma das poucas e grandes que fiz nessa terra. Mal das Anas? Tenho algumas muito especiais na minha vida. Ela não é mais uma. Assim como as outras, tem um lugar especial na minha história. Ledo engano pra quem achava que sairia de lá com o espírito ferroado. Saí com a alma lambuzada e doce.

terça-feira, 5 de maio de 2009

A febre da vez.

Ah, mais uma crise internacional pra gente se preocupar. Agora paranóia é com a saúde. Será que dessa vez morre mais gente de gripe do que do dengue, malária ou alguma dessas nossas mazelas subtropicais que já viraram notícia velha no noticiário das oito? Bom, sei que dessa vez embarquei nessa. Não na paranóia, mas na gripe mesmo. Não na famosa gripe do porco. A minha poderia se chamar gripe do Galo. Meu time anda me deixando doente! Mas, exageros e brincadeiras a parte descobri o que me fez gripado dessa vez. Uma alergia daquelas. Cama no feriado inteiro acompanhado dos bons chazinhos e mimos da mamãe. Ah, por essas é bom estar de volta. Mas o que me atacou a alergia dessa vez foi passado. O passado me trouxe lembranças que me deixaram constipado. É um sentimento estranho acompanhar o envelhecimento de uma pessoa. Tenho visto minha mãe ganhar rugas, e algumas “macacoas” como ela mesma gosta de dizer. Mas também vejo a envelhecer através dos objetos guardados. Cada dia que passa ela guarda mais e mais coisas na sua vida. Além de objetos físicos, como papéis, fotos, caixinhas e objetos que pensamos que não servem para nada prático, ela tem colecionando uma boa quantidade de sentimentos. Vive sempre o presente dela claro, é uma mulher contemporânea. Até educada digitalmente ela é. E-mails e SMS para ela são coisas rotineiras. Orgulho de filho babão. Mas por mais que ela esteja assim, ligada ao tempo presente, vejo sempre o passado dela como companhia. Ela não tem lá uma idade muito avançada para os padrões de hoje. Mas percebo além da saudade de um tempo que não volta mais, atitudes antigas, arraigadas ao longo de muitos anos e que hoje me levam numa divertida volta ao seu passado. Quando cheguei de volta aqui comecei a perceber como a casa dela funcionava agora, pois hoje sou um hóspede por tempo ainda não sabido, mas determinado. E assim fui observando a rotina dela e da casa e tentando encontrar um pequeno espaço que me coubesse nesse mundo particular que ela criou depois da revoada dos filhos. Os detalhes fazem a diferença nesse caso e um dia, em cima do fogão havia uma panela cheia d’água. No outro dia também. No seguinte a mesma coisa. E comecei a observar aquilo. Nada para cozimento. Nada de molho. Apenas uma chaleira com água sobre o fogão. E comecei a me questionar que hábito era aquele. Pois, por mais que se alterasse de vasilhame a água estava sempre presente numa das bocas do fogão. Lembrei da casa da minha avó. Onde há muito havia um fogão à lenha na cozinha. Onde havia sempre uma chaleira com água e o fogo aceso. Pronto para passar um cafezinho para uma visita sem aviso prévio. E desse jeito, ela vem trazendo lembranças há muito deixadas pro nosso tempo. Traz a minha avó, o fogão a lenha, a broa de fubá, o frango com quiabo, com ora-pro-nobis, traz a roupa quarada, o acordar com o cantar do galo. Enfim traz seu mundo, seu conforto aos dias de hoje que finalmente são os seus. Não foi Galo nem o cheiro inconfundível dos guardados expostos que me deixaram doente. Foram as suas memórias. Ligar as saudades dela no meu presente. Foi a impossibilidade de viver um passado que não é meu, mas que me trás tanta saudade e me é tão familiar. Gosto muito dessa brincadeira de ligar o passado dela ao meu presente. Até por que esse tempo se confunde em nós, se funde em um. Mas o meu passado não tem o cheiro de lenha estalando no fogão. Nem a fumaça do chá de folha de laranjeira. Nem das mãos frias esquentadas na beira da fogueira acesa no mês de junho. O meu passado não tem ácaros nem esses cheiros de doces nos tachos de cobre, mas também pudera ele é digital. E o tempo é um presente que cada um de nós recebeu.