terça-feira, 30 de junho de 2009

Budapeste é amarela

É com essa frase, que para quem ainda não viu o filme sobre a obra de Chico Buarque parece pouco impactante, que a película nos envolve nos seus primeiros minutos na sala escura. Sim, para o protagonista Budapeste é amarela. Um amarelo de um amor que precisa ser vivido com mais entrega. Um amarelo que acolhe sem sufocar. Um amarelo que nos remete a tantas questões calorosas e familiares. Mas um amarelo de amor e de aceitação. Não quero discursar sobre o que a cor amarela nos remete suas características e aplicações. Para mim as cidades do leste europeu seriam sempre cinzas cortina de ferro marxista e nunca amarela. Mas gostaria de perguntar: que cor tem a sua cidade? Ou melhor, como você enxerga a sua cidade? Melhor ainda, como você se vê diante da sua cidade, da sua vida? Essa é a pergunta. Sua vida tem que cor? Cinza sem sabor? Tons pastéis que não erram, mas também não trazem grandes surpresas? Verde, com esperança e bem aventurança para os que os cercam? Vermelho, de amor e ódio, mas sempre com sentimentos intensos para você e para os seus? Preto? Branco? Azul? Enfim. Como é o mundo que o cerca? O mundo é feito por nós na medida em que ele nos devolve respostas. Mas como o enxergamos é a forma de como o faremos. É como enviaremos as perguntas para essas respostas. E para aquele personagem, Budapeste era amarela em todos os sentidos. E foi assim que foi construída por ele. Com tons calorosos, dominando as amarguras que viveu. Ele tem um quê de herói. Construiu sua felicidade com a escolha do olhar. E como todo herói, ele não o fez sozinho. As cores do mundo quem o cercava contribuíram para o amarelo, ora mais pálido, ora mais vivo.
Realmente o mundo não é feito de uma cor. Cada um de nós coloca seu tom e vamos construindo essa gama de cores. Agora me respondam. Qual a cor que você quer para sua Budapeste? Qual cor ela teve até agora? Olhe o passado com os olhos do sagrado, que é o tempo a quem ele realmente pertence, e pergunte-se isso. Se a nostalgia lhe bater, desbote as cores do bege-amarelado e viva a saudade. A saudade é do passado, e que também é do sagrado. Já o hoje é do profano.
Assim como é possível ver Budapeste ao samba de Chico é possível ver a vida mais calorosa.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Santo acompanhado

Quando nasci foi uma festa. Verdade, uma festa e tanto! Junina ainda por cima. Deixem-me explicar para não pensarem que meu ego é maior que é. Quando uma criança nasce é uma enorme alegria. Ela trás o sentimento de renovação, de recomeço, que tudo dali pra frente vai dar certo por causa daquela pequena criatura. Mas no meu caso, além de toda essa felicidade, eu fui o primeiro, neto, o primeiro filho. Então podem imaginar. Mas havia outro motivo para foguetório. Era dia de São João, 24 de junho. E como naquele tempo não havia muito essa coisa de programar os partos, meus pais ficaram sem saber quando eu chegaria e resolveram continuar levando a vida. Até que nesse dia de São João, meu pai convidou minha mãe para irem a uma festa junina. Minha mãe, como boa mineira e boa festeira não deixou pra menos. Foi logo aprontando uma fantasia de jeca. Uma jeca linda e grávida de nove meses. Ia ser a grande atração da festa. E lá foram se arrumando, meu pai com suas calças pega-frango e cheia de retalhos, camisa xadrez e chapéu de palha. Minha mãe com seu vestidinho de chita rendado e umas tranças improvisadas. Além do assessório que vinha na frente, eu naquela barriga enorme. Vestiram-se, maquiaram-se, e eu lá dentro sentindo toda agitação dos preparativos da festa. Os fogos começaram a arrebentar e a riscar o céu. A cada estouro o coração da minha mãe disparava e eu sentia uma alegria ali dentro que não cabia nela. Meu pai, como todo bom caipira resolveu levar sua pinguinha embaixo do braço para compor personagem. E de longe ficava acompanhando as pintas que nasciam no rosto da minha mãe juntamente com os sustos que ela tomava a cada foguete que subia. Ria-se todo! E eu lá dentro percebendo aquela excitação toda em torno da festa. Até que a curiosidade não me deixou ficar. Tinha que saber do se tratava, por que tanta felicidade, por que tantos corações disparados, por que o riso solto e fácil? Resolvi ir junto, mas de corpo presente. Nada mais de barriga em torno de mim. Queria era curtir a festa. Sentir de perto o calor da fogueira na noite fria de junho. O cheiro indelével da pipoca na manteiga que estoura na panela, os aromas de cravo que perfumam o quentão. Queria ser testemunha das cores vivas das espigas de milho assadas em brasa. Sentir meu coração disparar ao tocar do trio pé de serra. Resolvi que essa devia ser uma boa hora. Afinal era dia de festa. Que dia melhor para nascer? E assim, lá foram meus pais, vestidos de caipira correndo para o hospital para que se desse a entrada ao penetra de última hora na celebração de São João. Esqueceram-se de me avisar que um parto é realmente um parto. Quando foi dado o anúncio da minha chegada já era tarde. Não poderíamos ir mais à festa. Mas outra fora dada em seu lugar. Assim, entra ano e saí ano, todo dia 24 ainda devo uma ida a uma festa junina aos meus pais. A melhor festa junina de todos os tempos. Aquela que vi pelos risos soltos do meu pai e pelo coração da minha mãe.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Ode às paixões

Quando consegui finalmente encontrar o olhar dela no meio da multidão perdida de uma noite fria, encontrei também um sorriso que ascendeu às estrelas. Os seus olhos eram incógnitos. De cores incógnitas. Só percebi isso muito tempo mais tarde. Mas já devia saber que isso era sinal de alguma coisa. Não eram olhos de olhar de soslaio. Eram olhos de olhar direto e profundo. Seus tons variavam levemente de acordo com o tamanho da melancolia. Uma coisa não variava; a cor incandescente do cabelo. Era dela, vinha de dentro esse vermelho intenso. Essa intensidade que se refletia nos cabelos estava ali em algum lugar, intocada. Mas ela nunca me deixou chegar tão profundo. Restou a mim a melancolia e os tons dos olhos, a intensidade era guardada para quem ela quisesse. Foi assim, com essas evasivas que meus olhos se perderam nos olhos dela. Foi assim que me perdi dela. Certa feita, ela ia embora do quarto do hotel depois de uma visita pela madrugada. Avistei-a indo embora pelo corredor amanhecido, com o vestido levemente amassado, com os cabelos profundamente tocados e com os saltos numa das mãos e meus desejos na outra. O dançar das pernas em meio à fazenda me roubou mais que suspiros. De outra feita foram olhos escusos. Escondidos por trás de escuras lentes opacas nos encontramos no meio do caminho entre nossas janelas. Fomos fundo nas nossas almas. Naquele momento nos pertencemos eternamente. Seu coração tocado se emocionava através das cores amanhecidas do mar. O meu acompanhou como que se seguisse a sereia nas pedras. Perdi-me. Mas me pertenci profundamente.
Era nessas horas que percebia que valia a pena saltar do despenhadeiro sem se importar com a queda. Importante era o frescor do vento e de ver a paisagem de um ângulo só meu. Não que fosse inconseqüente ou gostasse do sofrimento. Mas fazia parte do pacote. Era como se fosse comprar um carro sem as rodas. Não existe por que e nem para quê. Então, melhor que fosse completa que pela metade. Viver uma coisa dessas assim pela metade e ficar só na entrada sem o prato principal. Um brinde a vida! À vida!