sábado, 7 de março de 2009

Mais o herói que nós mesmos.

Todas as vezes que desço da minha caverna para ver a cidade me espanto. Sinto-me renovado com minha perplexidade. Não sei se é por que essa terra não é a minha, mas continuo, apesar desse tempo passado, a olhar os pampas com olhar estrangeiro. Talvez seja isso, não me sinto parte daqui. Isso me traz algumas vantagens e muitas desvantagens. Mas o certo é que continuo a me encantar pelo cotidiano. Aqui no sul vive-se muito cada uma das estações do ano. Verão é época de felicidade. Quando o seu fim se aproxima, uma estranha nostalgia começa a contaminar as ruas. Uma espécie de saudade do que será visto somente ao final de um ano. Parece até que as águas de março inspiram a despedida nas pessoas que mostram ainda suas cores. As mulheres suas curvas, os homens suas marcas. E assim essa vitrine de quem brilha mais vai sendo recheada de tempos gastos em aeroportos, embaixadas, passeios nas praias do sul e do norte envolto às bolhas de espumantes do meio da tarde. Soa meio fútil? Bom, vocês deveriam ter presenciado as conversas de que eu fui testemunha. Mas um único elemento está presente em todas essas memórias, sejam do norte ou do sul. Do sol ou da neve. Vi-me perguntando, quando numa resistência quase heróica, tentava vencer o burburinho da calçada de sábado à tarde. O que se esconde atrás das lentes opacas, brilhantes, de cintilantes espelhos, envoltas nas grandes armações que nos emolduram a cara? O que esconde o olhar por de trás dessas máscaras. Parece que o carnaval veneziano desembarcou aqui e esqueceu-se de ir. As pessoas e suas máscaras, cada um vestindo seu personagem, escondem a sua alma, ao mesmo tempo em que essa nova forma assume seu lugar. E assim vamos nos escondendo atrás dessas grossas lentes vedando a janela da alma. Sim, eu acredito que os olhos dizem mais do que podemos encontrar nas palavras. Quando nos fechamos assim o que queremos dizer? Ao invés de um silêncio dos olhos percebo um eco retumbante sem resposta para a pergunta sem fim: Que alma tem aí? Que brilho tem essa vida ai por detrás? Ao invés da reposta, salta aos olhos um sentimento blasé, sem maior importância, com uma preguiça colossal do mundo à sua cerca. Cada uma das vezes que isso acontece vejo uma falta de oportunidade do que há de mais fantástico na humanidade; os encontros. Perdem-se oportunidades raras e valiosas quando vendamos nossos olhos ao outro e ao mundo. Ao nos escondermos por trás dessas lentes nos transformando em personagens heróicos que desenhamos na nossa cabecinha e deixamos pra trás a beleza ordinária da vida diária. Pra que? Pra viver de fantasia. Na verdade o mundo perde a oportunidade de testemunhar o quanto é belo e real o arrepio quando os olhares se cruzam.

Um comentário:

Unknown disse...

Porra...
Vc tá profundo hein amigo?
Lindos textos... admirável sua lucidez e discernimento em traduzir um pouco de nossas angústias cotidianas.

Vai dar livro!
Abraços