sexta-feira, 20 de maio de 2011

Ardil

Do alto, se é que se pode com propriedade dizer isso, dos trinta e poucos anos dele, ele sugeriu para que fossem juntos a procurar estrelas dentro da noite profunda e calada. Ela, como bem faz toda mulher, apesar da pouca idade para com a dele, aceitou de bom grado e ainda achou graça em ser a condutora da aventura. Como bem fazem as mulheres, deixam-se ser conquistadas, levadas e encantadas. De certo as intenções dele eram outras, mas não naquela hora. Eram outras para tempos que ainda viriam. Foram-se os dois com ares ofegantes e despertos pelo flerte que se permitiam. Encontraram além das belas luzes vindas de cima, uma profusão delas que vinha debaixo e delineava assimetricamente a bela cidade que se punham aos pés dos novos amantes. Nada foi dito naquele momento. Só sentido.
Luas vieram e sombreavam seus sussurros que já, em bom tempo, se alardeavam aos ventos. Caminhavam-se juntos e ele ainda lançando seus olhares para o alto em busca das luas e estrelas que o acalentasse. Qual não fora a surpresa dele que numa das noites quentes do veranico tardio ele a vê com as belas costas de fora carregando assimetricamente perfeitas suas três marias, como ela mesma as denomina. Um misto de felicidade e surpresa tomou conta do moço, que sempre a observou em todos os detalhes das suas mais sutis mudanças, não tinha posto reparo que suas estrelas estavam ali ao alcance das suas mãos para o deleite do seu toque, enquanto a tivesse por perto. E ela, com toda a delicadeza que possui deu a ele o prazer pela descoberta das estrelas como numa doce brincadeira de gato e rato.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Das aspirações lunares.

Se um dia perguntarem-me quais os motivos que pesam na minha felicidade. Se algum dia cometerem essa intromissão nas minhas particularidades e quiserem me investigar, por inveja ou por quererem me seguir, direi que são pelas luas que meço o tamanho da minha felicidade.

O antigo clichê de que, parece que nos conhecemos a mais tempo do que na verdade nos vimos, cai por terra quando as luas novas somem no horizonte.
Não por ser parnasiano que espero as luas. São por elas que me recobro do tempo que nos pertencemos. São por elas que percebo onde estou no tempo e no espaço. E é por você que sei aonde irei. Pois antes de tê-la pelas bênçãos da lua, caminhava perdido, sem rumo e pensando que essa falta de caminho já era em si o caminho a ser trilhado.

Nada como um bom alísio de bombordo para que saibamos o valor de alterar as velas e seguirmos sem brigar com a força que nos impulsiona. São essas forças que quando nos entregamos sem lutar, descobrimos novas terras. Assim como ocorria com os antigos navegadores, que atribuíam à Poseidon, Netuno ou mesmo à Tétis a sua fortuna ou sua desgraça. Mas quando o recebiam em paz, as boas surpresas os queriam.

Não sei de meses, dias e horas. Anos, muito menos. Sei que luas nos velam e nos guardam. Corresponder aos novos ventos vindos de fora me fez saber que não sei para onde irei, pois ora à bordo e ora à bombordo encaminham os ventos. Ora alísios, ora minuanos permeados por tormentas eles vêem, mas sei que contigo irei.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Herança para meus filhos

Quero que se registre, torne-se claro e notoriamente sabido que deixarei para vocês filhos meus, o que tenho de melhor e que construí por toda essa vida. Deixo para vocês meus sonhos, devaneios, perdas e meus danos. Foram eles que me fizeram em grande parte ser o que sou hoje. Deixo a vocês o sabor pela amizade, pelo amor e pela fraternidade, pois somente cuidando do outro é que podemos nos curar. Ame primeiro, sem ressalvas nem reservas e não espere ser amado de volta. A capacidade de amar é a maior dádiva que temos. Sorte quem tem é quem ama. E não se preocupem com as decepções. Elas virão de qualquer forma. Mas sejam vocês sempre. Rogo para que cuidem dos meus temperos. Frescos ou secos são eles que dão cor aos meus dias. Cuidem deles, mas os usem, exagerem, percam a mão até o paladar se afinar como se afina os ouvidos para a música e os olhos para a vida. Deixo para vocês, meus discos, meus filmes e meus livros. Esses últimos com meus rabiscos e o cheiro de sebo. Espero que passeiem pelas mesmas páginas em que viajei. Espero que encontrem seus caminhos pelas mesmas letras que percorri. Mas espero antes de tudo que vejam como eu vi que por essas letras deixadas nessas paginas gastas estão sonhos e desejos que foram vividos enquanto meus olhos se marejavam a cada página virada. São nessas páginas que vocês me conhecerão melhor. São nessas letras que encontrarão cada detalhe formado da minha personalidade, que hoje é parte das suas também. Nessas capas surradas, que escolhi deixar assim, que vocês encontrarão minhas assinaturas, minhas digitais, inclusive minhas lágrimas e sorrisos.
Encontrem-se, percam-se, leiam e leiam-se nessas páginas e não se esqueçam de deixar essas páginas em casa e sair para viver o mundo e encontrar as suas letras para que vocês escrevam suas próprias histórias.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Do fim dos desencontros

Mesmo sem saber onde por meus pés dormentes, a manhã se fez doce e bela.
A cada uma das memórias que se desvendavam se era como se ela estivesse ali ao lado com seu perfume inebriante e com as cores dos seus olhos.
A cada tempo que se cumpria havia, ao seu mando de certo eram, borboletas, girassóis e delicadas nuvens de algodão que eram doces como seus lábios
Os pequenos e delicados momentos ao seu lado apresentam-se com uma fugaz eternidade. Prenda-me por mais e por sempre. Faça-me brilhar como seus olhos brilham quando você vem ao meu encontro. Dá-me a vastidão do seu largo sorriso à minha profundidade horizontal.
Dias como esses são primaveris, e não importam se vieram taciturnos, ou por cedo demais atropelando um inverno mal acabado. Dias como esses são pujantes, raros e merecem a intensidade de serem vividos sem reservas.
Mesmo sem tê-la ao lado, ainda sem tê-la perto dos olhos e das mãos ela se faz ali. No lugar onde se guardam as partes mais nobres da vida e as mais belas formas do olhar o mundo.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Tempestade

Depois de uma longa, duradoura e dura tempestade encontro-me aqui, no meio desse oceano. Abaixo e acima do anil com todas as chances que só uma calmaria pode trazer. Não sinto, em verdade, nenhuma falta das tormentas que me assombravam, mas percebo que por elas tenho os horizontes infinitos a minha frente. Sem angústia e com certeza de saber que por esse mar navega quem sabe dos atalhos caminhos dos infortúnios.
Tudo se desnuda a minha volta e a essa crueldade domino com garras selvagens o que se apresenta sem nenhuma pista da vida que se delineia a frente. O que poderia se tornar temor se faz vida.
O ilimitado cria desafios tão grandes quanto uma tela branca desafia seu pintor, como uma folha sem pautas e rabiscos desafia se escritor, mas percebo que ai reside o belo, na sua impossibilidade do desenho do caminho, mas da fruição do que se percebe ao longo desse mar.
Pergunto-me quem sou no meio dessa infinidade e a reposta que me veio é: quem sinto. Quem sinto que sou e o que sinto ao meu redor. Esse sou eu, que não vive apenas, mas sente plenamente o que se desenha a frente sem os medos de novas tormentas que certamente virão.