quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Misturas Finas

Como bom brasileiro que sou, genuíno, da gema, com todas as descendências que formaram esse povo no meu sangue, sempre gostei de misturar as coisas, as cores e as formas. Os sons e palavras. Tudo cresce tudo se enriquece com as diferenças. Tem gente muito interessante que já vem fazendo isso a mais de 50 anos na música. Percebem como funciona bem a mistura de cítara indiana com guitarra e bateria? Pois é, Harrison fez isso. E atrás dele um monte de gente vem fazendo. Outro dia num concerto em Brasília o maestro misturou os instrumentos da sinfônica com uma zabumba! Essa eu achei que não daria certo. Mas pra minha surpresa, parece que nasceram um pro outro. A própria zabumba é mistura nela mesma. Duas peles com afinações diferentes. Uma pra marcação e outra pra evolução. Uma parecida com bumbo, outra com taral. Genial. Toda vez que eu for há um concerto procurarei a zabumba na percussão. A música se apropria muito bem dessas misturas e sempre sai ganhando. Rap com samba e chorinho. Rock com maracatu, essa causou além de uma revolução musical no Brasil, uma discussão muito boa entre Ariano Suassuna e Chico Science. Peço desculpas ao grande Ariano, mas fico ao lado do Chico. O rock trás à luz a magnitude do maracatu. Às vezes precisamos da escuridão para enxergar a luz. Os contrates ressaltam as qualidades. Na música é assim, na culinária também. Feita por excelência uma grande mistura, essa sim precisa obrigatoriamente misturar as diferenças pra ir em frente e continuar surpreendendo. Já pensaram que mistura mais louca o arroz com feijão? Deu tão certo que um não anda mais sem o outro. Muito comum? Tudo bem. Resolvi enveredar pela procura das misturas e sair do rumo. Outro dia tomei um sorvete frito. Exatamente, uma bola de sorvete, gelado, de baunilha, só que frito. Perfeito! Nem as casquinhas, nem os confeites e caldas caem melhor num sorvete que a passagem panela quente. Um dia conto como se faz. As misturas na culinária são famosas. Agridoce, salgado com doce, espumas com crocantes, e sempre surpresas são descobertas no céu da boca. Uma após a outra, ou todas juntas. E o melhor, separadas são boas, juntas melhor ainda. E quando isso acontece vem o terceiro sabor, que é próprio dessa mistura. Existem as mais famosas. Goiabada com queijo, clássica. Purê de batata doce, com pimenta do reino e noz-moscada. Essa trás uma pergunta: o que tem aqui? Existem algumas misturas que nos fazem descobrir cada sabor de maneira diferente, e a cada passo da descoberta é uma grande surpresa. Já experimentaram mel com damascos e limão numa salada de alfaces, tomates e castanhas de caju? Somente um cuidado, as misturas culinárias têm a dose certa, se passar demais dá errado. Essa é a vantagem que temos em misturar as diferenças culturais. Misturar as culturas e as diferenças não tem limites. Dentro de uma mesma cidade existem possibilidades de experiências culturais que se experimentadas sem moderação causam surpresas e enriquecimento muito grande. Um dia, conversando com um amigo biólogo me disse do auto da sua sapiência e visão gélida e cientificista da coisa: quando se misturam as diferentes classes o do mais alto escalão se sente mais à vontade do que o do baixo clero! Discordo! Não existe essa. As pessoas são somente formadas por situações e condições diferentes. Percebem o mundo a partir do seu próprio. E assim constroem sua visão e suas alterações na sociedade. São somente visões e percepções distintas de realidades próximas. Afinal somos feitos do mesmo carbono meu caro biólogo. Somos todos poeiras de estrelas. Misturar as culturas dentro do mesmo país são formas de auto-afirmação delas próprias bem como integração com as outras. Por exemplo, o chimarrão tomado em Brasília no Parque da Cidade, aquele da Mônica de moto e o Eduardo de camelo, é uma delas. Aliás, essa música é o retrato fiel do que digo aqui. Que as misturas de dois mundos são as formas mais ricas de se crescer. Buscar na diferença o que lhe falta. Basta querer somar essa diferença à sua vida. Eu já misturei a cultura e o jeito mineiro de ser, que carrego pra onde vou, em vários lugares. Uns mais afeitos às misturas, outros nem tanto. Mas hoje posso dizer que sou um pouco mais gaucho, mais sul-mato-grossense, mais brasiliense, mais mineiro, brasileiro, mas acima de tudo, mais humanista. Tomo um teras no calor, um chimas no frio. Estaciono na quadra, subo a Bahia e desço a Floresta.

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