quarta-feira, 23 de julho de 2008

Alimento pro corpo e alma

Penne ao camarões e a açafrão.

Bom, como todo cozinheiro, se é posso ter a pretensão de assim me intitular, que aprendeu a fazer alguns quitutes à beira do fogão com a mãe, eu faço tudo meio de olho, sem medidas exatas. Minha mãe me diz que a cozinha é uma alquimia. E acho que a maior delas é você sentir quando as coisas darão certo na panela, sem medidas. Como se mensura uma pitada? Suas mãos são maiores que as minhas, com certeza.

Esse prato é típico do mediterrâneo, culinária que mais aprecio pela combinação de cores e sabores. Ali se juntou tudo, o velho continente, a terra, o mar e a Ásia. Esse prato é ideal para os dias quentes de verão.

Receita para duas pessoas.
Meio pacote de penne (Barilla de preferência)
300 g de camarões graúdos limpos e SEM CASCA (um dia conto essa)
Uma pitada generosa de açafrão em pó.
200 g de ervilhas tortas
Manteiga
Sal
Noz moscada e pimenta do reino (moídas na hora)
Farinha de trigo (uma colher de sopa)
Dois copos de leite desnatado

Modo de fazer:
Coloque a massa na água quente depois de estar fervida. Coloque sal somente depois que a água ferver. Deixe a massa cozinhar por 10 minutos no máximo. Retire a massa al dente do fogo. Escorra e deixe esfriar.
Ferva os camarões também numa água já fervente com sal. Bastam de 5 a 7 minutos. Retire-os e deixe-os escorrer.
As ervilhas. Limpe-as e corte-as em pedaços de 2 cm mais ou menos, em diagonal. Coloque duas colheres de manteiga na panela, deixe derreter em fogo baixo. Junte uma pitada de pimenta do reino, uma pequena pitada de sal e passe-as na manteiga. De 3 a 5 minutos é o suficiente. Elas devem estar crocantes e pré-cozidas.
Vamos fazer o molho. Sabem o que é o roux? A palavrinha é francesa, então caprichem no sotaque e no biquinho. É a base de qualquer molho branco. Simples e rápido de fazer.
Deixe derreter duas colheres de chá de manteiga em fogo baixo.
Coloque o açafrão, pode ser uma colher de café cheia. Deixe vir a cor do açafrão. Quando ele estiver de cor bem viva, junte uma colher generosa de farinha de trigo na panela e mexa até virar uma massa compacta.

Em tempo, o roux é feito sem o açafrão, ok? Só colocamos o tempero ai para que ele seja puxado na sua cor e sabor.

Coloque um dos copos de leite desnatado e vá mexendo. A massa compacta será desfeita e o molho começará a tomar corpo. Caso seja necessário coloque o outro copo de leite. O molho deve ficar “aveludado”. Nem grosso como um creme e nem aguado como um caldo. Raspe um pedaço de noz moscada no molho continue mexendo. Junte a pimenta do reino. Continue a mexer. Adicione as ervilhas. Agora os camarões. E finalmente a massa. Deixe cozer por mais uns três minutos para que tudo chegue ao ponto pós Dente. (Eu prefiro assim)
Sirva com um bom vinho branco gelado ou uma champanhota.
Depois me contem se fez sucesso.

Como cozinha tem tudo a ver com arte, descobri um poema de Vinícius, o poetinha, que ele dá uma receita genial de feijoada. A mais pura expressão da arte. Feijoada é poesia e Vinícius mestre-cuca.

Feijoada à minha moda

Amiga Helena Sangirardi
Conforme um dia eu prometi
Onde, confesso que esqueci
E embora – perdoe – tão tarde

(Melhor do que nunca!) este poeta
Segundo manda a boa ética
Envia-lhe a receita (poética)
De sua feijoada completa.

Em atenção ao adiantado
Da hora em que abrimos o olho
O feijão deve, já catado
Nos esperar, feliz, de molho.

E a cozinheira, por respeito
À nossa mestria na arte
Já deve ter tacado peito
E preparado e posto à parte

Os elementos componentes
De um saboroso refogado
Tais: cebolas, tomates, dentes
De alho – e o que mais for azado

Tudo picado desde cedo
De feição a sempre evitar
Qualquer contato mais... vulgar
Às nossas nobres mãos de aedo

Enquanto nós, a dar uns toques
No que não nos seja a contento
Vigiaremos o cozimento
Tomando o nosso uísque on the rocks.

Uma vez cozido o feijão
(Umas quatro horas, fogo médio)
Nós, bocejando o nosso tédio
Nos chegaremos ao fogão

E em elegante curvatura:
Um pé adiante e o braço às costas
Provaremos a rica negrura
Por onde devem boiar postas

De carne-seca suculenta
Gordos paios, nédio toucinho
(Nunca orelhas de bacorinho
Que a tornam em excesso opulenta!)

E – atenção! – segredo modesto
Mas meu, no tocante à feijoada:
Uma língua fresca pelada
Posta a cozer com todo o resto.

Feito o quê, retire-se caroço
Bastante, que bem amassado
Junta-se ao belo refogado
De modo a ter-se um molho grosso

Que vai de volta ao caldeirão
No qual o poeta, em bom agouro
Deve esparzir folhas de louro
Com um gesto clássico e pagão.

Inútil dizer que, entrementes
Em chama à parte desta liça
Devem fritar, todas contentes
Lindas rodelas de lingüiça

Enquanto ao lado, em fogo brando
Desmilingüindo-se de gozo
Deve também se estar fritando
O torresminho delicioso

Em cuja gordura, de resto
(Melhor gordura nunca houve!)
Deve depois frigir a couve
Picada, em fogo alegre e presto.

Uma farofa? – tem seus dias...
Porém que seja na manteiga!
A laranja gelada, em fatias
(Seleta ou da Bahia) – e chega.

Só na última cozedura
Para levar à mesa, deixa-se
Cair um pouco da gordura
Da lingüiça na iguaria – e mexa-se.

Que prazer mais um corpo pede
Após comido um tal feijão?
– Evidentemente uma rede
E um gato para passar a mão...

Dever cumprido. Nunca é vã
A palavra de um poeta... – jamais!
Abraça-a, em Brillat-Savarin
O seu Vinicius de Moraes.

Petrópolis, 1962

Um comentário:

Unknown disse...

Existem receitas que são temperadas por momentos, existem momentos que são temperados por pessoas. Cada pessoa tem seu tempero próprio. E esta receita tem um momento e um tempero todo especial.

Bah! Tá tri legal!
Continue escrevendo, não só para o teu prazer, como para o nosso também.