domingo, 14 de setembro de 2008

Ensaio sobre a lucidez

Ensaio sobre a lucidez
Domingo. Um dia que muita gente aguarda. Sossego, praia, férias, futebol, amigos reunidos no parque pra uma conversa ao sol que há muito não se via. Aqui ainda é inverno e o frio teima em ir. Domingo, além do futebol, é dia de cinema. Hoje me preparei para assistir Ensaio sobre a cegueira, do belíssimo texto de José Saramago. Sai do cinema e vim correndo pra casa pra escrever sobre o que vi. Li o livro e me apaixonei. Como não poderia ser diferente com os textos do Saramago. Diferente também não seria minha expectativa por um belíssimo filme. Afinal boas histórias podem se tornar bons filmes. Histórias ruins não. E estávamos falando de um projeto de Fernando Meireles. O mais americano dos cineastas brasileiros. Mas não é só por causa disso que o cara é bom. Ele é bom por que tem talento, não tem medo de cooperação e se entrega ao projeto. Além do que ser cineasta americano em inúmeras vezes é prerrogativa de compromisso com superficialidade.
Inevitável era a comparação entre filme e livro. Confesso que nos primeiros minutos de filme fique ali, pensado, poxa, faltou isso, faltou aquilo. Mas relaxei. O filme é bom por si só, não é necessário muletas. O texto é lindo. As inúmeras versões filosóficas e leituras das implicações sociais que esse tema possui já valem à pena. Mas o que importa é que o filme é daqueles que nos fazem ir pra casa pensando. O cara conseguiu mostrar na câmera como seria a visão de um cego! Não se trata de um trocadilho nem provocação barata. Mas percebe-se no filme como um cego percebe o mundo e como o mundo trata os que não possuem um dos sentidos. Aliás, a tônica do filme é bem essa. Como o mundo percebe você, como interage com você e como é percebido por ele. Sua interação com o outro, com o meio que o cerca e com suas questões morais. Afinal, foi nos tirado nesse tema, o mais básico dos sentidos. O mundo foi feito para os que vêm, andam de pé e ouvem. Se você não possuir um desses sentidos está fora do jogo. Voltando à questão criador e criatura, livro e filme. Quem é melhor? Primeiro essa coisa de mensurar tudo é uma grande bobagem. Culpa de Descartes, depois conto sobre isso. Segundo, não podemos enxergar o filme pela ótica do livro. São duas coisas muito diferentes. É tentar explicar Deus pela ciência. É tentar entender o amor pela lógica analítica cartesiana. São esferas diferentes sobre temas diferentes. O tempo do livro é diferente do cinema. No cinema o diretor dá a imagem ao que você pensa. Às vezes isso não te agrada. Normal. Você desenha seu personagem de olhos azuis. O diretor de pretos e por ai vai. O cinema é uma livre adaptação que parte de um princípio. Não é necessário que se transporte o livro literalmente para a tela. Liberdade de criação sobre o tema. Esse é o lema. Façam esse exercício quando virem um filme que veio de um livro. Percebam que o filme acresce ao livro. O livro não é uma obra em si mesmo. Ele está aberto a várias dimensões, assim como os filmes. Para mim, esse filme deu cor aos meus personagens, construiu um cenário para o hospital e deu luz a minha imaginação.
Separem o domingo para o cinema e vejam esse belo filme. Depois, se quiserem, dividam suas impressões aqui.

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