domingo, 22 de dezembro de 2013

Manhãs de Sábado

A infância tem das suas coisas, muitas engraçadas para os adultos, mas levada seriamente pelas crianças. Sábados pelas manhãs era um desses dias sérios. Dia de futebol na rua. Éramos tantos meninos que montávamos dois times e ainda sobravam os reservas. Claro que as escolhas dos times eram feitas dos melhores para os piores, tentando, sempre que possível manter o equilíbrio entre os times para que o jogo tivesse o mínimo de competitividade, se bem que o dono da bola sempre escolhia os melhores jogadores. Nesse sábado de sol, nos animávamos todos, pois esse jogo especificamente havia sido marcado na semana anterior. Era uma espécie de revanche. Nosso time, o time da parte de cima da rua, jogaria contra o time da parte de baixo da mesma rua. Faríamos um campo caprichadamente bem demarcado como nos campos de futebol oficial, prometeu Ronaldo. Um dos mais velhos que sempre tinha boas ideias para ajudar na preparação dos jogos. Ronaldo morava na parte de cima da rua, portanto, estava geograficamente preso àquele time, assim como eu e os demais que moravam ali. Sábado cedinho Ronaldo começou a demarcar o campo. Como tinha costume de ir sempre ao Independência, ou ao Campo do Sete, como diziam os mais velhos, sabia muito bem como fazer as marcações sobre a rua de calçamento. Calçamento esse que era em parte, responsável por jogadas milagrosas e frangos impagáveis. Era um jogador a mais em campo, e que sempre desequilibrava para um dos times. Eu era o mais novo da turma das duas turmas. E empolgado com o jogo marcado para o sábado tinha a certeza que seria escalado para a peleja. Acordei mais cedo do que de costume, aliás, nem dormi direito naquela noite, e fui ajudar a preparar o campo. Aí a minha primeira mancada do dia. Demarquei a grande área completamente torta. Como estávamos demarcando com areia, ficava difícil de retirar a marcação, mas o Guilherme dono da bola e um dos melhores jogadores do time da rua de cima deu um jeito, não sem antes me dar uns bons cascudos. Seguimos ao jogo, mas antes a escalação do nosso time. No gol Ronaldo. Cássio, irmão mais velho do Guilherme e Willian na defesa, no meio Guilherminho, Washington e Fabiano, na frente Guilherme. Eram oito de cada lado. Estávamos esperando o Gustavo que morava em outra rua vir compor o time, mas o Maisena não veio. Esse era o apelido do Gustavo, Maisena. E eu, exultante assumi a função do Maisena. O jogo começa, o time da parte de baixo da rua tinha excelentes jogadores. Beto era rápido, Toninho, o Pé de Couve, era um touro com um chute de assustar qualquer um, ainda mais nosso goleiro, o Ronaldo que é míope e jogava de óculos. Dodô e Dedei, também irmãos e que vinham compor o time da rua na parte debaixo. Sempre jogavam muito bem e treinavam quase todos os dias. Às vezes aparecia o branquinho, mas nem sempre. Como já era de se esperar entrei para compor número e me mandaram ficar na banheira. Era a nobre função de ficar na área do goleiro adversário e tentar ao menos atrapalha-lo. Ou se tivesse sorte que a bola pegasse em mim e entrasse, e ai eu poderia comemorar um gol. O sol começava a subir e eu com uma visão privilegiada do jogo. Só isso me restava. A bola não vinha, nem chegava perto de onde eu estava e eu comecei a me incomodar. Só tocava na bola quando ela ia pra fora. Eu me prontificava para ir correndo busca-la antes de ela descer a ladeira da rua ao lado. Não importava se quem chutava era alguém do time adversário ou do nosso, eu corria todo feliz pra ir buscar a bola, na esperança de voltar e fazer efetivamente parte do jogo. Numa dessas saídas de bola do meio de campo em que o time deles acabara de fazer mais um gol no Ronaldo, voltei pro nosso campo de defesa, permaneci lá e acompanhei uma jogada de ataque em que a bola saiu de campo. Corri para buscá-la e entreguei para o Ronaldo. Ele arrumou os óculos, procurou alguém que não estivesse sofrendo marcação e o único jogador nessa situação era eu. Ele, cansado de tomar gols não quis arriscar. Entregou a bola aos meus pés e pediu que eu a devolvesse para que um dos nossos conseguisse fugir da marcação e ele pudesse lançar a bola para quem sabia o que fazer com ela. Mas eu não obedeci. Recebi a bola e quando veio o primeiro jogador eu o driblei e ele passou direto. Olhei pra frente e sai dando toques na bola em direção ao gol adversário. Às vezes corria, às vezes diminua o passo e cada um dos jogadores do time adversário ia ficando para trás. Eu tinha oito anos de idade e meus adversários eram enormes adolescentes de quatorze e até quinze anos. E eu, ganhando confiança ia driblando o time inteiro. Os jogadores do meu time a essa altura sem acreditar no que acontecia em campo, começaram a me pedir insistentemente para tocar a bola, mas confesso que não sabia onde eles estavam, pois não tirava os olhos da bola. Somente levantava a cabeça quando a sombra de um dos adversários atravessava a minha frente. Confesso que reconheci anos mais tarde essa mesma jogada imortalizada nos pés de Maradona na batalha contra os ingleses na copa do mundo de 1986. Sigo driblando o time inteiro e fico frente a frente com o goleiro. Armo meu potente chute de menino franzino de oito anos de idade. O goleiro ali sem saber o que fazer, assustado com aquela cena se prepara para uma defesa difícil, de certo. Armo meu chute e chuto a bola com força pra fora do campo. O alívio do time adversário foi geral. Imagina tomar um gol desses de um baixinho bochechudo das pernas tortas? Impensável. Mas o meu time reagiu de forma bem diferente. Uns me davam parabéns, outros falavam pra eu fazer outra dessas e levantar a cabeça para tocar a bola e outros me davam xingamentos. Ronaldo, nosso goleiro protagonizou a cena que todos temos na memória e que terminaria com o jogo ali mesmo. Ele veio correndo do nosso campo e chegou bem perto de mim dizendo a todos os pulmões: -Seu, seu, seu... Tenho certeza que ele estava buscando algo bem pior do que burro para me chamar. E continuava: - Seu, seu, seu Bolinho de Carne! Pronto, acabara de ganhar o apelido que carrego até hoje. Bolinho de carne. Todos caíram no chão de tanto rir. Imagino que até uns calções foram molhados de tantas risadas. Ninguém mais conseguia pensar em bola naquele momento. O jogo acabou ali de vez! Confesso que eu mesmo não achei graça nenhuma naquele momento, mas sinto saudades dos sábados pela manhã.

Um comentário:

Unknown disse...

kkkk se colocasse os apelidos de todos, Tina e Vivi faziam parte dos times. tudo sem maldade, sem esse estresse que nos domina.